24 de janeiro de 2012

Do sofrer os defeitos dos outros

LIVRO PRIMEIRO
Avisos úteis para a vida espiritual

Cap. 16. Do sofrer os defeitos dos outros, 51

  1. Aquilo que o homem não pode emendar em si mesmo ou nos demais, deve ele tolerar com paciência, até que Deus disponha de outro modo. Considera que talvez seja melhor assim, para provar tua paciência, sem a qual não têm grande valor nossos méritos. Todavia, convém, nesses embaraços, pedir a Deus que te auxilie, para que os possas levar com seriedade.

  2. Se alguém, com uma ou duas advertências, não se emendar, não contendas com ele; mas encomenda tudo a Deus pra que seja feita a sua vontade, e seja ele honrado em todos os seus servos, pois sabe tirar bem do mal. Procura sofrer com paciência os defeitos e quaisquer imperfeições dos outros, pois tens também muitas que os outros têm de aturar. Se não te podes modificar como desejas, como pretendes ajeitar os outros à medida de teus desejos? Muito desejamos que os outros sejam perfeitos, e nem por isso emendamos as nossas faltas.

  3. Queremos que os outros sejam corrigidos com rigor, e nós não queremos ser repreendidos. Estranhamos a larga liberdade dos outros, e não queremos sofrer recusa alguma. Queremos que os outros sejam apertados por estatutos e não toleramos nenhum constrangimento que nos coíba. Donde claramente se vê quão raras vezes tratamos o próximo como a nós mesmos. Se todos fossem perfeitos, que teríamos então de sofrer nós mesmos por amor de Deus?

  4. Ora, Deus assim o dispôs para que aprendamos a carregar uns o fardo dos outros; porque ninguém há sem defeito; ninguém sem carga; ninguém com força e juízo bastante para si; mas cumpre que uns aos outros nos suportemos, consolemos, auxiliemos, instruamos e aconselhemos. Quanta virtude cada um possui, melhor se manifesta na ocasião da adversidade; pois as ocasiões não fazem o homem fraco, mas revelam o que ele é.

Livro: Imitação de Cristo
Autor: Tomás De Kempis
Edição: 36ª
Editora: Vozes

Humanum Genus - Leão XIII

ENCÍCLICA
HUMANUM GENUS
DO PAPA LEÃO XIII
SOBRE A MAÇONARIA

20 de Abril de 1884

Papa Leão XIII

Aos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, e
Bispos do Mundo Católico em Graça e Comunhão com a Sé Apostólica
.

1. O Gênero Humano, após sua miserável queda de Deus, o Criador e Doador dos dons celestes, “pela inveja do demônio,” separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus.

2. Este reino dividido Sto. Agostinho penetrantemente discerniu e descreveu ao modo de duas cidades, contrárias em suas leis porque lutando por objetivos contrários; e com sutil brevidade ele expressou a causa eficiente de cada uma nessas palavras: “Dois amores formaram duas cidades: o amor de si mesmo, atingindo até o desprezo de Deus, uma cidade terrena; e o amor de Deus, atingindo até o desprezo de si mesmo, uma cidade celestial.”[1] Em cada período do tempo uma tem estado em conflito com a outra, com uma variedade e multiplicidade de armas e de batalhas, embora nem sempre com igual ardor e assalto. Nesta época, entretanto, os partisans (guerrilheiros) do mal parecem estar se reunindo, e estar combatendo com veemência unida, liderados ou auxiliados por aquela sociedade fortemente organizada e difundida chamada os Maçons. Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando a destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade, se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador. Lamentando estes males, Nós somos constrangidos pela caridade que urge Nosso coração a clamar freqüentemente a Deus: “Ó Deus, eis que Teus inimigos se agitam; e os que Te odeiam levantaram as suas cabeças. Eles tramam um plano contra Teu povo, e conspiram contra Teus santos. Eles disseram: ‘vinde, destruamo-nos, de modo que eles não sejam uma nação’.”[2]

3. Em uma crise tão urgente, quando tão feroz e tão forte assalto é feito sobre o nome Cristão, é Nosso ofício apontar o perigo, marcar quem são os adversários, e no máximo de Nosso poder fazer uma barreira contra seus planos e procedimentos, para que não pereçam aqueles cuja salvação está confiada a Nós, e para que o reino de Jesus Cristo confiado a Nosso encargo possa não só permanecer de pé e inteiro, mas possa ser alargado por um crescimento cada vez maior através do mundo.

4. Os Pontífices Romanos nossos predecessores, em sua incessante vigilância pela segurança do povo Cristão, foram rápidos em detectar a presença e o propósito desse inimigo capital tão logo ele saltou para a luz ao invés de esconder-se como uma tenebrosa conspiração; e, além disso, eles aproveitaram e tomaram providências, pois a eles isso competia, e não permitiram a si mesmos serem tomados pelos estratagemas e armadilhas armadas para enganá-los.

5. A primeira advertência do perigo foi dada por Clemente XII no ano de 1738[3], e sua constituição foi confirmada e renovada por Bento XIV[4]. Pio VII seguiu o mesmo caminho[5]; e Leão XII, por sua constituição apostólica, Quo Graviora[6], juntou os atos e decretos dos Pontífices anteriores sobre o assunto, e os ratificou e confirmou para sempre. No mesmo sentido pronunciou-se Pio VIII[7], Gregório XVI[8], e, muitas vezes, Pio IX[9].

6. Tão logo a constituição e o espírito da seita maçônica foram claramente descobertos por manifestos sinais de suas ações, pela investigação de suas causas, pela publicação de suas leis, e de seus ritos e comentários, com a freqüente adição do testemunho pessoal daqueles que estiveram no segredo, esta sé apostólica denunciou a seita dos Maçons, e publicamente declarou sua constituição, como contrária à lei e ao direito, perniciosa tanto à Cristandade como ao Estado; e proibiu qualquer um de entrar na sociedade, sob as penas que a Igreja costuma infligir sobre as pessoas excepcionalmente culpadas. Os sectários, indignados por isto, pensando em eludir ou diminuir a força destes decretos, parcialmente por desprezo, e parcialmente por calúnia, acusaram os soberanos Pontífices que os passaram ou de exceder os limites da moderação em seus decretos ou de decretar o que não era justo. Este foi o modo pelo qual eles esforçaram-se para eludir a autoridade e o peso das constituições apostólicas de Clemente XII e Bento XIV, e também de Pio VII e Pio IX[10]. Entretanto, na própria sociedade, encontraram-se homens que relutantemente concordaram que os Pontífices Romanos tinham agido dentro de seu direito, de acordo com a doutrina e disciplina Católicas. Os Pontífices receberam a mesma concordância, em termos fortes, de muitos príncipes e chefes de governo, que tomaram como um dever ou delatar a sociedade maçônica à sé apostólica, ou por seu próprio acordo por leis específicas declará-la perniciosa, como, por exemplo, na Holanda, Áustria, Suíça, Espanha, Bavária, Savóia, e outras partes da Itália.

17 de janeiro de 2012

O Purgatório


A Virgem do Rosário e o Purgatório, Manuel Sepúlveda, 1781 - Óleo sobre tela, Museu de Arte Religiosa, Coleção da Arquidiocese de Popayán (Colômbia)

O Dogma do Purgatório

O Pe. Francisco Xavier Schouppe S.J., missionário jesuíta que viveu em fins do século XIX e início do XX, foi um profícuo autor de obras de caráter teológico e exegético bíblico. Deixou vários livros populares, dentre os quais destaca-se um sobre o Purgatório, do qual extraímos os textos abaixo. Das obras que escreveu, esta é a mais conhecida e recomendada.


O Dogma do Purgatório é muito esquecido pela maioria dos fiéis; a Igreja Padecente — onde há tantos irmãos para socorrer, e para onde sabem que um dia devem ir —, parece-lhes terra estranha.
Esse verdadeiramente deplorável esquecimento constituía um grande sofrimento para São Francisco de Sales: “Hélas”, disse esse pio Doutor da Igreja, “nós não nos lembramos suficientemente de nossos caros falecidos; sua memória parece esvanecer-se com o som fúnebre dos sinos”.
As principais causas disso são ignorância e falta de fé; nossas noções sobre o Purgatório são muito vagas, nossa fé é muito fraca.
Então, para que nossas idéias se tornem mais precisas e nossa fé vivificada, devemos olhar mais de perto essa vida além túmulo, esse estado intermediário das almas justas ainda não dignas de entrar na Celeste Jerusalém.

*   *   *
O Purgatório ocupa um importante lugar em nossa santa Religião: forma uma das principais partes da obra de Jesus Cristo, e representa um papel essencial na economia da salvação do homem.
Lembremo-nos de que a Santa Igreja de Deus, considerada como um todo, é composta de três partes: a Igreja Militante [nesta Terra], a Igreja Triunfante [no Céu] e a Igreja Padecente ou Purgatório. Essa tríplice Igreja constitui o Corpo Místico de Jesus Cristo, e as almas do Purgatório não são menos seus membros que os fiéis na Terra e os eleitos no Céu. .... Essas três igrejas-irmãs mantêm incessantes relações entre si e uma contínua comunicação, que denominamos a Comunhão dos Santos.

*   *   *
Rezar pelos falecidos, fazer sacrifícios e sufrágios por eles, forma parte do culto cristão, e a devoção pelas almas do Purgatório é a que o Espírito Santo infunde com caridade nos corações dos fiéis. “Santo e salutar pensamento é rezar pelos mortos”, diz a Sagrada Escritura, “para que sejam purificados de seus pecados” (II Mac. 12, 46).
A Justiça de Deus é terrível, e pune com extremo rigor mesmo as faltas mais triviais. A razão é que tais faltas, leves a nossos olhos, não o são diante de Deus. O menor pecado desagrada-O infinitamente, e, por causa da infinita Santidade que é ofendida, a menor transgressão assume enorme proporção e exige enorme expiação. Isso explica a terrível severidade das penas da outra vida, e deveria nos penetrar de santo temor.

Purgatory — Illustrated by the Lives and Legends of the Saints, versão norte-americana da TAN Books and Publishers, Inc., Rockford, Illinois, 1973, pp. V e ss.

Fonte: Revista Catolicismo

Provida Romanorum Pontificum - Bento XIV

SOBRE A MAÇONARIA
Bula “Provida Romanorum Pontificum” de Bento XIV
  
Treze anos depois da primeira condenação, em 1751, a suprema autoridade da Igreja, pela voz de Bento XIV, mais uma vez denunciou a Maçonaria, para confirmar a declaração anterior.
 
BENTO XIV

BENTO, Bispo, servo dos servos de Deus.

Razões justas e graves obrigam-nos a confirmar e munir da força de nossa autoridade as sábias leis e sanções dos pontífices romanos, nossos predecessores, não somente as que receamos sejam pelo tempo destruídas ou enfraquecidas, mas ainda aquelas que se acham em pleno vigor, e em toda a sua força.

Clemente XII, nosso antecessor, de clara memória, em suas Letras Apostólicas In Eminenti, datada aos 28 de Abril de 1738, condenou e proibiu para sempre, debaixo de pena de excomunhão, certas sociedades, assembléias, reuniões, corrilhos ou conventículos, denominados vulgarmente de franco-maçons, que então se propagavam em alguns países, crescendo de dia para dia.

Mas chegou à nossa notícia que não trepidam alguns em assegurar e divulgar que a pena de excomunhão fulminada pelo nosso antecessor cessou, porque não foi confirmada a supracitada Constituição, como se fosse exigida a confirmação do Papa sucessor, para que continuassem a subsistir as Constituições apostólicas do Papa predecessor. Por isso nos insinuaram homens piedosos e tementes a Deus que, para cortarmos todos os subterfúgios dos caluniadores, e declararmos a conformidade de nossa intenção com a vontade de nosso predecessor, vinha muito a propósito ajuntar a nossa confirmação às suas mencionadas letras.

Quando concedemos benigno — o que se deu principalmente no ano do jubileu, e algumas vezes antes — a absolvição da excomunhão a vários fiéis arrependidos de terem violado as leis da referida Constituição, prometendo abandonar de todo em todo tais sociedades ou conventículos condenados; quando comunicamos aos penitenciários nossos delegados a faculdade de dar em nosso nome e autoridade a mesma absolvição aos penitentes que a eles recorriam contritos; quando exortamos com solicitude e vigilância os juizes e tribunais competentes a procederem contra os violadores da mesma Constituição conforme a gravidade do delito; em todas essas ocasiões apresentamos argumentos, não só plausíveis, evidentes e indubitáveis, dos quais devia deduzir-se a nossa firme e deliberada vontade em relação à força e ao vigor da censura lançada por nosso antecessor Clemente XII.

Contudo, para que se não possa dizer que imprudente omitimos alguma coisa do que pode barrar a boca à mentira e à calúnia, resolvemos confirmar, como de fato confirmamos pelas presentes Letras, a Constituição acima referida, corroborando-a, renovando-a com toda a plenitude de nosso poder apostólico em tudo e sem reserva, como se fosse publicada por nós mesmo, por nossa própria autoridade, em nosso nome, e queremos e mandamos que tenha força e eficácia para sempre.

Finalmente, entre as causas mais graves das supraditas proibições e condenações enunciadas na Constituição acima inserida, — a primeira é: que nas tais sociedades e assembléias secretas, estão filiados indistintamente homens de todos os credos; daí ser evidente a resultante de um grande perigo para a pureza da religião católica;

— a segunda é: a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembléias secretas, às quais com razão se pode aplicar o provérbio (do qual se serviu Caecilius Natalis, em causa de caráter diverso, contra Minúcius Félix): “As coisas honestas gozam da publicidade; as criminosas, do segredo”;

— a terceira é: o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo, como se fosse permitido a qualquer um apoiar-se numa promessa ou juramento com o fito de furtar-se a prestar declarações ao legítimo poder, que investiga se em tais assembléias secretas não se maquina algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis;

— a quarta é: que tais sociedades são reconhecidamente contrárias às sanções civis e canônicas; o direito civil proíbe ajuntamentos e sodalícios, como se pode conferir no XLVII livro de Pandectas, tit. 22 de Collegüs et Corporibus illicitis e na célebre carta de Plinius Caecilius II, que é a XCVII, livro 10, na qual diz ser proibida pelo Imperador a existência de “Hetérias”: isto é, sociedade alguma ou reunião podia existir e constituir-se sem a devida autorização do príncipe;

— a quinta é: que em muitos países as ditas sociedades e agregações foram proscritas e eliminadas por leis de príncipes seculares;

— a última enfim é: que as tais sociedades e agregações são reprovadas por homens prudentes e honestos e, no pensar deles, quem quer que se inscreva nelas merece o ferrete da depravação e perversidade.

Enfim, nosso predecessor, na Constituição acima inserida, conclama os Bispos e Superiores Prelados e outros Ordinários dos lugares, a que não deixem de solicitar o poder secular, se necessário, para a execução da mesma.

Tudo isso não só aprovamos e confirmamos e respectivamente recomendamos e ordenamos aos superiores eclesiásticos, mas também nós mesmo, por dever de solicitude apostólica, pelas presentes Letras, requeremos um esforço conjunto, e invocamos o auxílio e forças do poder secular, para a execução das mesmas.

E uma vez que os príncipes soberanos e os poderes são designados por Deus, são defensores da fé e protetores da Igreja, por obrigação devem empenhar-se com toda a sorte de boas razões que sejam observadas à risca as Constituições Apostólicas. E’ o que lhes lembraram os padres do Santo Concilio de Trento, na 254 sessão, cap. 20 e já mui anteriormente havia esplendidamente declarado o Imperador Carlos Magno, que, após ter recomendado a todos os seus súditos a observância das leis eclesiásticas, acrescentou: “De modo algum podemos reconhecer por fiéis os súditos infiéis a Deus e desobedientes aos seus sacerdotes”. E por isso ordenou a todos os chefes e oficiais de seu Império que obrigassem a todos os súditos à observância e obediência das leis da Igreja, sancionando penas muito severas aos infratores. Entre outras, disse: “Aqueles que forem reconhecidamente (o que Deus não o permita) negligentes ou desobedientes neste ponto, saibam que não podem ocupar lugar algum em nosso Império, sejam embora nossos filhos, nem viver no palácio, e menos ainda ter qualquer sociedade ou comunicação, nem conosco, nem com os nossos, mas sofrerão as penas de fome, sede e prisão”.

Queremos que a transcrição das presentes letras, igualmente as impressas, seja subscrita por notário público e munida com o sigilo de pessoa revestida de dignidade eclesiástica e mereça assim a mesma fé que o original, caso for exibida.

A ninguém, pois, seja lícito infringir esta página de nossa confirmação, inovação, aprovação, requisição, decreto e vontade ou temeràriamente contrariar. Caso alguém o presumir, saiba que incorrerá na ira de Deus Onipotente e de seus bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, em Santa Maria Maior, aos 18 de Maio do ano da Encarnação, 1751, 2º de nosso pontificado.

16 de janeiro de 2012

Juramento Papal

Papa Santo Agatão 678
Juramento Papal

Juramento feito por todos os Papas no dia de sua coroação:

EU PROMETO: 

Não diminuir ou mudar nada daquilo que encontrei conservado pelos meus probatíssimos antecessores e de não admitir qualquer novidade, mas de conservar e de venerar com fervor, como seu verdadeiro discípulo e sucessor, com todas as minhas forças e com todo empenho, tudo aquilo que me foi transmitido.

De emendar tudo quanto esteja em contradição com a disciplina canônica e de guardar os sagrados Cânons e as Constituições Apostólicas dos nossos Pontífices, os quais são mandamentos divinos e celestes, (estando Eu) consciente de que deverei prestar contas diante do (Teu) juízo divino de tudo aquilo que eu professo; Eu que ocupo o teu lugar por divina designação e o exerço como teu Vigário, assistido pela tua intercessão. Se pretendesse agir diversamente, ou de permitir que outros o façam, Tu não me será propício naquele dia tremendo do divino juízo… (pp.43 e 31).

Portanto, nós submetemos ao rigoroso interdito do anátema, se porventura qualquer um, ou nós mesmos, ou um outro, tiver a presunção de introduzir qualquer novidade em oposição à Tradição Evangélica, ou à integridade da Fé e da Religião, tentando mudar qualquer coisa concernente à integridade da nossa Fé, ou consentindo a quem quer que seja que pretendesse fazê-lo com ardil sacrílego.”

(“Liber Diurnus Romanorum Pontificum”, pp 54, 44, P.L. 1 a 5).

Coroação de Pio XII 
 
“EGO PROMITTO…
 
Nihil de traditione quod a probatissimis praedecessoribus meis servatum reperi, diminuere vel mutare, aut aliquam novitatem admittere; sed ferventer, ut vere eorum discipulus sequipeda, totia viribis meis conatibusque tradita conservare ac venerari. Si qua vero emerserint contra disciplinam canonicam, emendare; sacrosque Canones et Constituta Pontificum nostrorum ut divina et coelestia mandata, custodire, utpote tibi redditurum me sciens de omnibus, quae profiteor, districtam in divino judicio rationem, cuius locum divina dignatione perago, et vicem intercessionibus tuis adjutus impleo. Si praeter haec aliquid agere praesumsero, vel ut praesumatur, permisero, eris mihi, in illa terribili die divini judicii, depropitius (…) Unde et districti anathematis interdictionis subjicimus, si quis unquam, seus nos, sive est alius, qui novum aliquid praesumat contra huiusmodi evangelicam traditionem, et orthodoxae fidei Christianaeque religionis integritatem, vel quidquam contrarium annintendo immutare, sive subtrahere de integritate fidei nostrae tentaverit, vel auso sacrilego hoc praesumentibus consentire. 
 
O texto acima trata-se de um Juramento feito por todos os Papas no dia de sua coroação. Impressionante documento que revela como o Papa deve manter e guardar a fé. Declara anátema qualquer um que tiver a presunção de introduzir qualquer novidade em oposição à Tradição Evangélica, ou à integridade da Fé e da Religião, tentando mudar qualquer coisa concernente à integridade da nossa Fé.


Fonte: Traditio & Montfort

15 de janeiro de 2012

Mirari Vos - Gregório XVI

Mirari Vos
Papa Gregório XVI

Sobre os principais erros de seu tempo

Carta encíclica do Papa Gregório XVI promulgada em 15 de agosto de 1832.




  • A Rebelião dos ímpios, causa de seu silêncio 
  • Lamentação dos males atuais
  • Para corrigi-los, os Bispos devem trabalhar unidos à Cátedra de Pedro
  • Imutabilidade da doutrina e disciplina da Igreja
  • Defesa do celibato clerical
  • Caracteres do matrimônio cristão
  • Condenação do indiferentismo religioso
  • Delírio da liberdade de consciência
  • Monstruosidade da liberdade de imprensa
  • Condenação da rebeldia contra as legítimas autoridades
  • Males da separação da Igreja e do Estado
  • Liberdade do mal que certas associações apregoam
  • O remédio desses males está na palavra de Deus
  • Os governantes devem auxiliar a Igreja 
  • Esperança em Maria


Veneráveis irmãos,
Saúde e Bênção Apostólica.

A Rebelião dos ímpios, causa de seu silêncio

1. Creio-vos admirados, porque desde que sobre Nós pesa o cuidado da Igreja universal, ainda não vos dirigimos Nossas cartas, como o costume arraigado da Igreja e Nossa benevolência para convosco o reclamam. Mui veemente era, em verdade, o desejo de abrir-vos Nosso coração e, ao comunicar-vos Nossa palavra, fazer-vos ouvir aquela mesma voz, pela qual Nos foi ordenado, na pessoa de Pedro, confirmar nossos irmãos (Lc 22,23). Mas bem sabeis que a procela de males e aflições que nos combateu desde os primeiros momentos de Nosso pontificado, ergueu-se, subitamente, qual vagalhão tão impetuoso que, se não Nos deplorais qual náufrago da terrível conspiração dos ímpios é mercê de um esforço da onipotência divina. Com o coração alanceado pela tristíssima consideração de tantos males, não se tem ânimo para relembrar tamanha amargura; preferimos, pois, bendizer ao Pai de toda consolação que, humilhando os perversos, Nos livro do presente perigo e, acalmando a turbulenta tempestade, Nos permitiu respirar. Então Nos propusemos a dar-vos conselhos para pensar as chagas de Israel, mas o grande número de cuidados que pesou sobre Nós, enquanto conciliávamos o restabelecimento da ordem pública, foi causa de mais tardança. A insolência dos ímpios que tentaram, de novo, arvorar a bandeira da rebelião, foi novo motivo de Nosso silêncio. E Nós, ainda que com tristeza indizível, vimo-Nos obrigado a reprimir, com pulso firme, (1 Cor 4,21), a contumácia daqueles homens, cujo furor se exaltava de mais a mais, longe de se abrandar pela constante impunidade e pela Nossa clemência. E desde então podeis muito bem deduzir que Nossos cuidados se tornaram mais constantes. 

Mas, havendo já tomado posse do pontificado na Basílica de Latrão, consoante costume estabelecido por Nossos maiores, e que fora retardada pelas causas supraditas, sem dar azo a mais delongas, damo-Nos pressa em dirigir-vos a presente carta, testemunho de Nosso afeto para convosco, neste dia gratíssimo, em que celebramos a solene festa da gloriosa Assunção da Santíssima Virgem, a fim de que aquela que Nos foi protetora e salvadora em gravíssimas calamidades, Nos seja propícia, iluminando-Nos o intelecto com celeste inspiração, para dar-vos os conselhos mais conducentes à santificação da grei cristã.

Lamentação dos males atuais

2. Em verdade, triste e com o coração dolorido, dirigimo-Nos a vós, a quem vemos cheios de angústia, ao considerar a crueldade dos tempos que fluem para com a religião que tanto estremeceis. Na verdade, poderíamos dizer que esta é a hora do poder das trevas para joeirar como o trigo, os filhos de escol (Lc 22,53); 'a terra ficou infeccionada pelos seus habitantes, porque transgrediram as leis, mudaram o direito, romperam a aliança eterna' (Is 24,5). Referimo-Nos, Veneráveis Irmãos, aos fatos que vedes com vossos próprios olhos e todos choramos com as mesmas lágrimas. A maldade rejubila alegre, a ciência se levanta atrevida, a dissolução é infrene. Menospreza-se a santidade das coisas sagradas, e o culto divino, que tanta necessidade encerra, não é somente desprezado, mas também vilipendiado e escarnecido. Por esses meios é que se corrompe a santa doutrina e se disseminam, com audácia, erros de todo gênero. Nem as leis divinas, nem os direitos, nem as instituições, nem os mais santos ensinamentos estão ao abrigo dos mestres da impiedade.

Combate-se tenazmente a Sé de Pedro, na qual pôs Cristo o fundamento de sua Igreja; forçam-se e rompem-se, momentaneamente, os vínculos da unidade. Impugna-se a autoridade divina da Igreja e, espezinhados os seus direitos, é submetida a razões terrenas; com suma injúria, fazem-na objeto do ódio dos povos, reduzindo-a a torpe servidão. O clamoroso estrondo de opiniões novas ressoa nas academias e liceus, que contestam abertamente a fé católica, não já ocultamente e por circunlóquios, mas com guerra cura e nefária; e, corrompidos os corações dos jovens pelos ensinamentos e exemplo dos mestres, cresceram desproporcionadamente o prejuízo da religião e a depravação dos costumes. Por isso, rompido o freio da religião santíssima, somente em virtude da qual subsistem os reinos e se confirma o vigor de toda potestade, vemos campear a ruína da ordem pública, a desonra dos governantes e a perversão de toda autoridade legítima; e a origem de tantas calamidades devemos buscá-la na ação simultânea daquelas sociedades, nas quais se depositou, como em sentina imensa, quanto de sacrilégio, subversivo e blasfemo acumularam a heresia e a impiedade em todos os tempos.

Para corrigi-los, os Bispos devem trabalhar unidos à Cátedra de Pedro

3. Estas coisas, Veneráveis Irmãos, e outras muitas, talvez de maior gravidade, que seria prolixo referi-las e que vós conheceis perfeitamente, Nos obrigam a experimentar dor amarga e constante, pois, constituído na Cátedra do Príncipe do Apóstolos, é mister que o zelo pela casa de Deus Nos consuma. E sabedores, em razão de Nosso múnus, de que não é suficiente deplorarem-se tantos males, mas que se faz necessário remediá-los com todas as nossas forças, recorremos à vossa fé e imploramos a vossa solicitude pela grei católica, Veneráveis Irmãos, porque a vós cabe a virtude e a religião, a singular prudência e constância, que Nos encorajam e consolam em meio a tantas desgraças.

A Nós toca o dever de levantar a voz e envidar todos os esforços, para que o javali não destrua a vinha e o lobo não destroce o rebanho; devemos dar-lhes pábulo tão salutar, que nem de leve sequer sejam suspeitos. Longe de Nós, e mui longe, que os pastores faltem ao seu dever, abandonando covardemente as ovelhas, quando tantos males nos afligem e tantos perigos nos cercam, e que, sem cuidar da grei, se manchem com o ócio e a negligência. Façamos, pois, causa comum, digo melhor, a de Deus e, de espírito uno, porfiemos contra o inimigo comum, com uma só intenção com um só esforço.

4. Tudo isto cumprireis plenamente, se, segundo vosso dever, cuidardes de vós mesmos e da doutrina, tendo sempre presente que a Igreja universal repele toda novidade (S. Caelest. PP., ep. 21 ad episc. Galliar.) e que, conforme conselho do Pontífice Santo Agatão, nada se deve tirar daquelas coisas que hão sido definidas, nada mudar, nada acrescentar, mas que se devem conservar puras, quanto à palavra e quanto ao sentido (Ep. ad imp. apud Labb. Tomo II, p. 235, Ed. Mansi). Daqui surgirá a firmeza da unidade, que se radica, em seu fundamento, na Cátedra de Pedro, a fim de que todos encontrem baluarte, segurança, porto bonançoso e tesouro de inumeráveis bens, justamente onde as Igrejas possuem a fonte de seus direitos (S. Innocent. Papa, ep. II, apud Constat.). Para reprimir, portanto, a audácia dos que ora intentam infringir os direitos desta Sé, somente na qual se apoiam e recebem vigor, preciso é incular um profundo sentimento de fidelidade e veneração para com ela, clamando, a exemplo de São Cipriano, que em vão protesta estar na Igreja o que abandonou a Cátedra de Pedro, sobre a qual está fundada (S. Cypr., De unitate eccles.).

5. Deveis, pois, trabalhar e vigiar assiduamente, para guardar o depósito da fé, apesar das tentativas dos ímpios, que se esforçam por dissimulá-lo e desvirtuá-lo. Tenham todos presente que o julgar da sã doutrina, que os povos têm de crer, e o regime e o governo da Igreja universal é da alçada do Romano Pontífice, a quem foi dado por Cristo pleno poder, para apascentar, reger e governar a Igreja universal, segundo os ensinamentos legados pelos Padres do Concílio de Florença (Sess. 25, in definit. apud Labb., tom. 18, col. 527. Edit. Venet.). Portanto, todo Bispo deve aderir fielmente à Cátedra de Pedro, guardar o depósito da fé santa e apascentar religiosamente o rebanho de Deus que lhe foi confiado. Os presbíteros estejam sujeitos aos Bispos, considerando-os, segundo aconselha São Jerônimo, como pais da alma (Ep. 2 ad Nepot., a. 1, 24); e jamais esqueçam que os cânones mais antigos lhes vedam o desempenho de qualquer ministério, o ensino e a pregação sem licença do Bispo, a cujo cuidado foi condiado o povo e de quem se hão de pedir contas das almas (Ex can., app 33 apud Labb., tomo I, p. 38, edt. Mansi.). Por fim, tenha-se por certo e estável que, quantos intentarem contra esta ordem estabelecida, enquanto depender de sua parte, perturbam o estado da Igreja.

Imutabilidade da doutrina e disciplina da Igreja

6. Reprovável seria, na verdade, e muito alheio à veneração com que se devem acolher as leis da Igreja, condenar, somente por néscio capricho de opinião, a doutrina que foi por ela sancionado, na qual estão contidas a administração das coisas sagradas, a regra dos costumes e dos direitos da Igreja, a ordem e a razão dos seus ministros, ou então acoimá-la de oposicionista a certos princípios de direito natural, julgando-a deficiente e imperfeita, ou ainda sujeitando-a à autoridade civil.

Constando, com efeito, como reza o testemunho dos Padres do Concílio de Trento (Sess. 13, dec. de Eucharistia in proœm.), que a Igreja recebeu sua doutrina de Jesus Cristo e dos seus Apóstolos, e que o Espírito Santo a está continuamente assistindo, ensinando-lhe toda a verdade, é por demais absurdo e altamente injurioso dizer que se faz necessária uma certa restauração ou regeneração, para fazê-la voltar à sua primitiva incolumidade, dando-lhe novo vigor, como se fosse de crer que a Igreja é passível de defeito, ignorância ou outra qualquer das imperfeições humanas; com tudo isto pretendem os ímpios que, constituída de novo a Igreja sobre fundamentos de instituição humana, venha a dar-se o que São Cipriano tanto detestou: que a Igreja, coisa divina, se torne coisa humana (Ep. 52, edit. Baluz.). Pensem, pois, os que tal supõem, que somente ao Romano Pontífice como atesta São Leão, tem sido confiada a constituição dos cânones; e que somente a ele, que não a outro, compete julgar dos antigos decretos dos cânones, medir os preceitos dos seus antecessores para moderar, após diligente consideração, aquelas coisas, cuja modificação é exigida pela necessidade dos tempos (Ep. ad. episc. Lucaniae).

Defesa do celibato clerical

7. Reclamamos, aqui, também a vossa invicta constância para combater a torpíssima conspiração que se tem tramado contra o celibato clerical, a qual, como sabeis, cresce de momento para outro, porque com os falsos filósofos do nosso século fazem coro alguns eclesiásticos que, esquecidos da sua dignidade e estado, e aliciados pela voluptuosidade, chegaram a licenciosidade tal, a ponto de em alguns lugares se atreverem a pedir publicamente faculdade aos príncipes para infringir tão santa disciplina. Mas causa-nos rubor falar extensamente de intentos tão torpes e, confiado em vossa piedade, pedimo-vos que, com todas as forças e apoiados nas prescrições dos sagrados cânones, custodieis, defendais, e vindiqueis, em toda sua integridade, aquela lei de tamanha gravidade, contra a qual os inimigos assestam seus dardos.

Caracteres do matrimônio cristão

8. Reclama também nosso especial cuidado aquela união santa dos cristãos, chamada pelo Apóstolo sacramento grande em Cristo e na Igreja (Ef 5,33; Heb 13,4), para que não se diga e nem se tente dizer algo quer contra a santidade quer contra a força indissolúvel deste vínculo. O mesmo Nos recordara Nosso antecessor Pio VIII, de santa memória, com não pouca insistência; mão obstante, seus esforços não foram bastantes para sustar todo o mal. Devemos, pois, ensinar aos povos que o matrimônio, legitimamente contraído, já não pode ser dissolvido, e que os unidos pelo matrimônio forma, por vontade de Deus, sociedade perpétua com vínculos tão íntimos que só a morte os pode dissolver. Tenham presente que o matrimônio pertence às coisas sagradas, e está sujeito à Igreja; tenham-se presentes as leis que sobre ele há ditado a Igreja; obedeçam-lhe santa e escrupulosamente, pois dela dependem a eficácia, força e justiça da união. Não admitam, de forma alguma, algo que esteja em oposição aos sagrados cânones ou aos decretos dos concílios, pois não desconhecem o mau resultado que necessariamente hão de acarretar as uniões que se fazem contra a disciplina da Igreja, sem implorar a proteção de Deus, somente por leviandade, sem pensar no sacramento e nem nos mistérios que nele são significados.

Condenação do indiferentismo religioso

9. Outra causa que tem acarretado muitos dos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, ou seja, aquela perversa teoria espalhada por toda parte, graças aos enganos dos ímpios, e que ensina poder-se conseguir a vida eterna em qualquer religião, contanto que se amolde à norma do reto e honesto. Podeis, com facilidade, patentear à vossa grei esse erro tão execrável, dizendo o Apóstolo que há um só Deus, uma só fé e um só batismo (Ef 4, 5): entendam, portanto, os que pensam poder-se ir de todas as partes ao porto da Salvação que, segundo a sentença do Salvador, eles estão contra Cristo, já que não estão com Cristo (Lc 11,23), e os que não colhem com Cristo dispersam miseramente, pelo que perecerão infalivelmente os que não tiverem a fé católica e não a guardarem íntegra e sem mancha (Simbol. Sancti Athanasii); ouçam S. Jerônimo, do qual se diz que quanto alguém tentara atraí-lo para a sua causa, dizia sempre com firmeza: O que está unido à Cátedra de Pedro é o meu (S. Hier., ep. 57). E nem alimentem ilusões porque estão batizados; a isto calha a resposta de Santo Agostinho que diz não perder o sarmento sua forma quando está amputado da vide; porém, de que lhe serve, se não tira sua vida da raiz? (In Ps. contra part. Donat.).

Delírio da liberdade de consciência

10. Dessa fonte lodosa do indiferentismo promana aquela sentença absurda e errônea, digo melhor disparate, que afirma e defende a liberdade de consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estendo por toda parte, chegando a imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião. Que morte pior há para a alma, do que a liberdade do erro! dizia Santo Agostinho (Ep. 166). Certamente, roto o freio que mantém os homens nos caminhos da verdade, e inclinando-se precipitadamente ao mal pela natureza corrompida, consideramos já escancarado aquele abismo (Apoc 9,3) do qual, segundo foi dado ver a São João, subia fumaça que entenebrecia o sol e arrojava gafanhotos que devastavam a terra. Daqui provém a efervescência de ânimo, a corrupção da juventude, o desprezo das coisas sagradas e profanas no meio do povo; em uma palavra, a maior e mais poderosa peste da república, porque, segundo a experiência que remonta aos tempos primitivos, as cidade que mais floresceram por sua opulência, extensão e poderio sucumbiram, somente pelo mal da desbragada liberdade de opiniões, liberdade de ensino e ânsia de inovações.

Monstruosidade da liberdade de imprensa

11. Devemos tratar também neste lugar da liberdade de imprensa, nunca condenada suficientemente, se por ela se entende o direito de trazer-se à baila toda espécie de escritos, liberdade que é por muitos desejada e promovida. Horroriza-Nos, Veneráveis Irmãos, o considerar que doutrinas monstruosas, digo melhor, que um sem-número de erros nos assediam, disseminando-se por todas as partes, em inumeráveis livros, folhetos e artigos que, se insignificantes pela sua extensão, não o são certamente pela malícia que encerram, e de todos eles provém a maldição que com profundo pesar vemos espalhar-se por toda a terra. Há, entretanto, oh que dor! quem leve a ousadia a tal requinte, a ponto de afirmar intrepidamente que essa aluvião de erros que se está espalhando por toda parte é compensada por um ou outro livro que, entre tantos erros, se publica para defender a causa da religião. É por toda forma ilícito e condenado por todo direito fazer um mal certo e maior, com pleno conhecimento, só porque há esperança de um pequeno bem que daí resulte. Porventura dirá alguém que se podem e devem espalhar livremente venenos ativos, vendê-los publicamente e dá-los a tomar, porque pode acontecer que, quem os use, não seja arrebatado pela morte?

12. Foi sempre inteiramente distinta a disciplina da Igreja em perseguir a publicação de livros maus, desde o tempo dos Apóstolos, dos quais sabemos terem queimado publicamente muitos deles. Basta ler as leis que a respeito deu o V. Concílio de Latrão e a constituição que ao depois foi dada a público por Leão X, de feliz recordação, para que o que foi inventado para o progresso da fé e a propagação das belas artes não sirva de entrave e obstáculo aos Fiéis em Cristo (Act. Concílio Lateran. V, ses. 10; e Constituição Alexand. VI 'Inter multiplices').O mesmo procuraram os Padres de Trento que, para trazer remédio a tanto mal, publicaram um salubérrimo decreto para compor um índice de todos aqueles livros que, por sua má doutrina, deviam ser proibidos (Conc. Trid. sess. 18 e 25). Há que se lutar valentemente, disse Nosso predecessor Clemente XIII, de piedosa memória; há que se lutar com todas as nossas forças, segundo o exige a gravidade do assunto, para exterminar a mortífera praga de tais livros, pois o erro sempre procurará onde se fomentar, enquanto não perecerem no fogo esses instrumentos de maldade (Encíclica 'Christianae', 25 nov. 1776, sobre livros proibidos). Da constante solicitude que esta Sé Apostólica sempre revelou em condenar os livros suspeitos e daninhos, arrancando-os às suas mãos, deduzam, portanto, quão falsa, temerária e injuriosa à Santa Sé e fecunda em males gravíssimos para o povo cristão é aquela doutrina que, não contente com rechaçar tal censura de livros como demasiado grave e onerosa, chega até ao cúmulo de afirmar que se opõe aos princípios da reta justiça e que não está na alçada da Igreja decretá-la.

Condenação da rebeldia contra as legítimas autoridades

13. Mas, tendo sido divulgadas, em escritos que correm por todas as partes, certas doutrinas que lançam por terra a fidelidade e submissão que se devem aos príncipes, com o que se alenta o fogo da rebelião, deve-se vigiar atentamente para que os povos, enganados, não se afastem do caminho do bem. Saibam todos que, como disse o apóstolo, toda autoridade vem de Deus e todas as que existem foram ordenadas por Deus. Aquele, pois, que resiste à autoridade, resiste à ordem de Deus e se condena a si mesmo (Rom 13, 2). Portanto, os que com torpes maquinações de rebelião se subtraem à fidelidade que devem aos príncipes, querendo tirar-lhes a autoridade que possuem, ouçam como contra eles clamam todos os direitos divinos e humanos.

14. Não era este, certamente, o proceder dos primeiros cristãos, os quais, para obviar a tão grave falta, mesmo que em meio das terríveis perseguições suscitadas contra eles, se distinguiram por seu zelo em obedecer aos imperadores e em lutar pela integridade do império, como provaram, quer no pronto cumprimento de quanto lhes era ordenado (sempre que não se opusesse à sua fé de cristãos), quer vertendo seu sangue nas batalhas, pelejando contra os inimigos do império. Os soldados cristãos, diz Santo Agostinho, serviram fielmente aos imperadores infiéis, mas quando se tratava da causa de Cristo, outro imperador não reconheceram que o dos céus. Distinguiam o Senhor eterno do senhor temporal; e não obstante, pelo primeiro obedeciam ao segundo (In Ps. 124. n. 7.). Assim o entendia certamente o glorioso mártir S. Maurício, invicto chefe da legião Tebana, quando, segundo refere Euquério, disse ao seu imperador: Somos, ó imperador, teus soldados, mas também servos que com liberdade confessamos a Deus; vamos morrer, e não nos rebelamos; nas mãos temos nossas armas, e não resistimos porque antes de nos rebelarmos preferimos morrer (S. Eucher. apud Ruinart, Act. ss. mm. de Ss Maurit. et Soc., n. 4). E esta conduta dos primeiros cristão brilha com esplêndidos fulgores; pois é de se notar que, além da razão, não faltava aos cristãos, nem a força do número nem o esforço da valentia, se quisessem lutar contra seus inimigos. Somos de ontem, diz Tertuliano, e já ocupamos todas as vossas casas, cidades, ilhas, municípios, os mesmos acampamentos com suas tribos e decúrias, os palácios, o senado, o fórum... De que luta não seremos capazes, mesmo com forças inferiores, os que morremos tão alegremente, só porque em nossa disciplina é mais lícito morrer do que matar? Se, negando-vos a cooperação de nossas forças, nos retirássemos a um lugar distante da terra, a perda de tantos e tais cidadãos teria enfraquecido vosso domínio, digo melhor, quiçá o houvésseis perdido; não há duvidar que vos espantareis com vossa própria solidão... não encontrareis a quem comandar, teríeis mais inimigos que cidadãos; mas agora, ao contrário, deveis ao grande número dos cristãos o terdes menos inimigos (In apologet., cap. 37).

15. Estes exemplos preclaros de inquebrantável sujeição aos príncipes, baseados nos santíssimos preceitos da religião cristã, condenam a insolência e a gravidade dos que, instigados por torpe desejo de liberdade sem freios, outra coisa não se propõem do que calcar os direitos dos príncipes e reduzir os povos a mísera escravidão, enganando-os com aparências de liberdade. Este foi o objetivo dos valdenses, dos begardos, dos wiclefitas e de outros filhos de Belial que foram a desonra do gênero humano, tantas vezes anatematizados pela Sé Apostólica. Sem outro motivo senão o de se congratularem com Lutero por haver rompido todo vínculo de dependência, esses inovadores se esforçam audazmente por perpetrar as maiores maldades.

Males da separação da Igreja e do Estado

16. Mais grato não é também à religião e ao principado civil o que se pode esperar do desejo dos que procuram separar a Igreja e o Estado, e romper a mútua concórdia do sacerdócio e do império. Sabe-se, com efeito, que os amadores da falsa liberdade temeram ante a concórdia, que sempre produziu resultados magníficos, nas coisas sagradas e civis.

Liberdade do mal que certas associações apregoam

17. A muitas outras coisas de não pouca importância, que Nos trazem preocupado e enchem de dor, devem-se acrescer certas associações ou assembléias, as quais, confederando-se com sectários de qualquer religião, simulando sentimentos de piedade e afeto para com a religião, mas na verdade possuídas inteiramente do desejo de novidades e de promover sedições em toda parte, pregam liberdades de tal jaez, suscitam perturbações nas coisas sagradas e civis, desprezando qualquer autoridade, por mais santa que seja.

O remédio desses males está na palavra de Deus

18. Com o coração, pois, transido de tristeza, mas confiante inteiramente n’Aquele que manda aos ventos e acalma as tempestades, escrevemos estas coisas, Veneráveis Irmãos, para que, armados da couraça da fé, combatais galhardamente os combates do Senhor. É dever vosso manter dentro dos limites todo aquele que se levanta contra a ciência do Senhor. Pregai a palavra de Deus, para que tenham pasto saudável os que desejam a justiça; pois fostes eleitos para serdes cultivadores diligentes da vinha do Senhor; trabalhai, todos unidos, com empenho, para arrancar as más raízes do campo que vos foi confiado e para que, reprimido todo germe de vício, ali mesmo floresça copiosa a messe das virtudes. Abraçai, de modo especial, e com afeto paternal, aos que se dedicam à ciência sagrada e à filosofia, exortando-os e guiando-os a fim de que não aconteça que, estribando-se imprudentemente em suas forças, se afastem do caminho da verdade, para seguir as sendas dos ímpios. Entendam que Deus é Senhor da sabedoria e emendador dos sábios (Sab. 7, 15) e que é impossível compreender a Deus sem Deus (S. Irineu, lib. 14, cap. 10); Deus, que pelo Verbo ensina aos homens a conhecer Deus. É próprio de homens soberbos ou antes néscios querer sujeitar ao critério humano os mistérios da fé, que ultrapassam a capacidade humana, confiando unicamente em nossa razão, que por natureza é débil e fraca.

Os governantes devem auxiliar a Igreja

19. Finalmente, secundem os príncipes estes nossos santos desejos de feliz êxito das coisas sagradas e profanas com seu poder e autoridade, pois não a receberam somente para o governo temporal, mas também para a defesa e guarda da Igreja. Saibam que, quanto se faz em favor da Igreja, destina-se, ao mesmo tempo, ao bem-estar e à paz do império; convençam-se sempre mais que devem maior estima à causa da fé que à do reino, e que serão maiores se, segundo S. Leão, à sua coroa de reis se ajuntar a da fé. Já que tem sido constituídos como pais e tutores dos povos, proporcionar-lhes-ão verdadeira felicidade e tranqüilidade, se dirigirem seus cuidados especialmente para conservar incólume a religião daquele Senhor, cujo poder está expressado naquela passagem do salmo: Rei dos reis e Senhor dos que dominam.

Esperança em Maria

20. E para que todos estes desejos se realizem propícia e felizmente, elevemos nossos olhares e mãos à Santíssima Virgem Maria, a única que destruiu todas as heresias e constitui a nossa maior esperança (S. Bernardo, sem. De nativitate B. M. V., 57). Peça Ela mesma, com sua intercessão poderosa, para que nossos desejos, conselhos e ações sejam coroados do êxito mais feliz, nesta grande necessidade do povo cristão. Peçamos humildemente aos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo o dom de permanecermos firmes e constantes em não permitir e nem querer outro fundamento que aquele sobre o qual estamos cimentados. Apoiado nesta doce esperança, esperamos que o autor e consumador da fé, Cristo Jesus, nos consolará nestas grandes tribulações, e, em penhor do divino auxílio, damo-vos, Veneráveis Irmãos, e às ovelhas que vos foram confiadas, a Benção Apostólica.

Dada em Roma, em Santa Maria Maior, dia da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, 14 de Agosto do ano do Senhor de 1832, segundo de Nosso Pontificado.

Gregório XVI, PAPA.

Fonte: Montfort          

14 de janeiro de 2012

Quanta Cura - Pio IX


 
Quanta Cura
Papa Pio IX

Sobre os principais erros da época
 
Carta encíclica do Papa Pio IX
promulgada em 8 de dezembro de 1864

Com quanto cuidado e pastoral vigilância cumpriram em todo tempo os Romanos Pontífices, Nossos Predecessores, a missão a eles confiada pelo próprio Cristo Nosso Senhor, na pessoa de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos - com o encargo de apascentar as ovelhas e os cordeiros, já nutrindo a toda a grei do Senhor com os ensinamentos da fé, já imbuindo-a com doutrinas sadias e apartando-a dos pastos envenenados -, de todos, mas muito especialmente de vós, Veneráveis Irmãos, é perfeitamente conhecido e sabido. Porque, na verdade, Nossos Predecessores, defensores e vindicadores da sacrossanta religião católica, da verdade e da justiça, plenos de solicitude pelo bem das almas de modo extraordinário, nada cuidaram tanto como descobrir e condenar com suas Cartas e Constituições, plenas de sabedoria, todas as heresias e erros que, contrários a nossa fé divina, a doutrina da Igreja católica, a honestidade dos costumes e a eterna salvação dos homens, levantaram com freqüência graves tormentas, e trouxeram lamentáveis ruínas sobre a Igreja como também sobre a própria sociedade civil. Por isso, Nossos Predecessores, com apostólica fortaleza resistiram sem cessar às iníquas maquinações dos malvados que, lançando como as ondas do feroz mar a espuma de suas conclusões, e prometendo liberdade, quando na realidade eram escravos do mal, trataram com suas enganosas opiniões e com seus escritos perniciosos de destruir os fundamentos da ordem religiosa e da ordem social, de retirar do meio toda virtude e justiça, de perverter todas as almas, de separar os incautos - e, sobre tudo, a inexperiente juventude - da reta norma dos costumes sadios, corrompendo-a miseravelmente, para enredá-la nas armadilhas do erro e, por último, arrancá-la do seio da Igreja católica.

2. Por isso, como bem o sabeis, Veneráveis Irmãos, apenas Nós, por um secreto desígnio da Divina Providência, mas sem mérito nenhum Nosso, fomos elevados a esta Cátedra de Pedro; ao ver, com profunda dor de Nosso coração, a horrorosa tormenta levantada por tantas opiniões perversas, assim como ao examinar os danos tão graves como dignos de lamentar com que tais erros afligiam o povo cristão; por dever de Nosso apostólico ministério, e seguindo os passos ilustres de Nossos Predecessores, levantamos Nossa voz, e por meio de várias Cartas encíclicas divulgadas pela imprensa e com as Alocuções contidas no Consistório, assim como por outros Documentos apostólicos, condenamos os erros principais de nossa época tão desgraçada, excitamos vossa exímia vigilância episcopal, e com todo Nosso poder avisamos e exortamos a Nossos caríssimos filhos para que abominassem tão horrendas doutrinas e não se contagiassem delas. E especialmente em Nossa primeira Encíclica, de 9 de novembro de 1846 a vós dirigida, e nas Alocuções consistoriais, de 9 de dezembro de 1854 e de 9 de junho de 1862, condenamos as monstruosas opiniões que, com grande dano das almas e detrimento da própria sociedade civil, hoje em dia imperam; erros que não só tratam de arruinar a Igreja católica, com sua saudável doutrina e seus direitos sacrossantos, mas também a própria eterna lei natural gravada por Deus em todos os corações e ainda a reta razão. São esses os erros, dos quais se derivam quase todos os demais.

3. Mas, embora não temos deixado Nós de proscrever e condenar estes tão importantes erros, sem embargo, a causa da Igreja católica e a salvação das almas de Deus Nos há confiado, e até o próprio bem comum exigem imperiosos que de novo excitemos vossa pastoral solicitude para combater outras depravadas opiniões que também se derivam daqueles erros como de sua fonte. Opiniões falsas e perversas, que tanto mais se hão de detestar quanto que tendem a impedir e ainda suprimir o poder saudável que até o final dos séculos deve exercer livremente a Igreja católica por instituição e mandato de seu divino Fundador, sobre os homens em particular e também sobre as nações, povos e governantes supremos; erros que tratam, igualmente, de destruir a união e a mútua concórdia entre o Sacerdócio e o Império, que sempre foi tão proveitosa para a Igreja, como para o próprio Estado [1].

Sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que em nosso tempo há não poucos que, aplicando à sociedade civil o ímpio e absurdo princípio chamado de naturalismo, atrevem-se a ensinar "que a perfeição dos governos e o progresso civil exigem imperiosamente que a sociedade humana se constitua e se governe sem preocupar-se em nada com a religião, como se esta não existisse, ou, pelo menos, sem fazer distinção nenhuma entre a verdadeira religião e as falsas". E, contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, não duvidam em afirmar que "a melhor forma de governo é aquela em que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas penas, os violadores da religião católica, senão quando a paz pública o exija". E com esta idéia do governo social, absolutamente falsa, não hesitam em consagrar aquela opinião errônea, em extremo perniciosa à Igreja católica e à saúde das almas, chamada por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória., loucura [2], isto é, que "a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem, que todo Estado bem constituído deve proclamar e garantir como lei fundamental, e que os cidadãos têm direito à plena liberdade de manifestar suas idéias com a máxima publicidade - seja de palavra, seja por escrito, seja de outro modo qualquer -, sem que autoridade civil nem eclesiástica alguma possam reprimir em nenhuma forma". Ao sustentar afirmação tão temerária, não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição [3], e que, se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à Verdade, confiado na loquacidade da sabedoria humana mas Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo ensina como a fé e a prudência cristã hão de evitar esta vaidade tão danosa [4].

4. E, quando na sociedade civil é desterrada a religião e ainda repudiada a doutrina e autoridade da mesma revelação, também se obscurece e até se perde a verdadeira idéia da justiça e do direito, em qual lugar triunfam a força e a violência, claramente se vê por que certos homens, depreciando em absoluto e desejando a um lado os princípios mais firmes da sã razão, se atrevem a proclamar que "a vontade do povo manifestada pela chamada opinião pública ou de outro modo, constitui uma suprema lei, livre de todo direito divino ou humano; e que na ordem política os fatos consumados, pelo mesmo que são consumados, têm já valor de direito". Mas, quem não vê e não sente claramente que uma sociedade, subtraída as leis da religião e da verdadeira justiça, não pode ter outro ideal que acumular riquezas, nem seguir mais lei, em todos seus atos, que um insaciável desejo de satisfazer a concupiscência indomável do espírito servindo tão somente a seus próprios prazeres e interesses? Por isso, esses homens, com ódio verdadeiramente cruel, perseguem as Ordens religiosas, tão beneméritas da sociedade cristã, civil e até literária, e gritam blasfêmias que aquelas não têm razão alguma de existir, fazendo assim eco dos erros dos hereges. Como sabiamente ensinou Nosso Predecessor de feliz e recente memória Pio VI, "a abolição das religiões prejudica o estado de pública profissão dos conselhos evangélicos, tão recomendada na vida da Igreja, em consonância com a doutrina apostólica, e condena os próprios fundadores que veneramos nos altares, os quais, inspirados por Deus, formaram suas próprias religiões" [5]. Levam sua impiedade a proclamar que se deve retirar à Igreja e aos fiéis a faculdade de "distribuir caritativamente esmola em público", e que deve "abolir-se a lei proibitiva, em determinados dias, das obras servis, para dar culto a Deus": com suma falácia pretendem que aquela faculdade e esta lei "estão em oposição aos postulados de uma verdadeira economia política". E, não contentes com que a religião seja afastada da sociedade, querem também arrancá-la da própria vida familiar.

5. Apoiando-se no funestíssimo erro do comunismo e socialismo, asseguram que "a sociedade doméstica deve toda sua razão de ser somente ao direito civil e que, por tanto, somente da lei civil se derivam e dependem todos os direitos dos pais sobre os filhos e, sobretudo, do direito da instrução e da educação". Com essas máximas tão ímpias como suas tentativas, não intentam esses homens tão falazes senão subtrair, por completo, a saudável doutrina e influência da Igreja à instrução e educação da juventude, para assim infeccionar e depravar miseravelmente as ternas e inconstantes almas dos jovens com os erros mais perniciosos e com toda sorte de vícios. Com efeito; todos quantos maquinavam perturbar a Igreja ou o Estado, destruir a reta ordem da sociedade, e assim suprimir todos os direitos divinos e humanos, dirigiram seu empenho e esforços no intuito e enganar e depravar, como já fizemos anotar, a juventude, em cuja corrupção depuseram toda a sua esperança. Esta é a razão por que o clero - secular e regular - apesar dos encendidos elogios que um e outro tem merecido em todos os tempos, como o testemunham os mais antigos documentos históricos, assim na ordem religiosa como no civil e literário, é objeto de suas mais nefandas perseguições; e andam dizendo que esse Clero "por ser inimigo da verdade, da ciência e do progresso deve ser apartado de toda ingerência na instrução da juventude".

6. Por outro lado, renovando os erros, tantas vezes condenados, dos protestantes, atrevem-se a dizer, sem vergonha nenhuma, que a suprema autoridade da Igreja e desta Sé Apostólica, que outorgou Nosso Senhor Jesus Cristo, depende em absoluto da autoridade civil; negam à própria Sé Apostólica e à Igreja todos os direitos que tem nas coisas que se referem à ordem exterior. Nem se pejam de afirmar que "as leis da Igreja não obrigam a consciência, senão se promulgada pela autoridade civil; que os documentos e os decretos dos Romanos Pontífices, até os tocantes à Igreja, necessitam da sanção e aprovação - ou pelo menos do assentimento- do poder civil; que as Constituições apostólicas [6] - pelos que se condenam as sociedades clandestinas ou aquelas em que se exige o juramento de manter o secreto, e que se excomungam seus adeptos e fautores- não têm força nenhuma naqueles países onde vivem toleradas pela autoridade civil; que a excomunhão lançada pelo Concílio de Trento e pelos Romanos Pontífices contra os invasores e usurpadores dos direitos e bens da Igreja, apoia-se numa confusão da ordem espiritual com o civil e político, e que não tem outra finalidade que promover interesses mundanos; que a Igreja nada deve mandar que obrigue a as consciências dos fiéis na ordem ao uso das coisas temporais; que a Igreja não tem direito de castigar com penas temporais os que violam suas leis; que é conforme a Sagrada Teologia e aos princípios do Direito público que a propriedade dos bens possuídos pelas Igrejas, Ordens religiosas e outros lugares piedosos, há de atribuir-se e vindicar-se para a autoridade civil". Não se pejam de confessar aberta e publicamente o herético princípio, de que nascem tão perversos erros e opiniões, isto é, "que o poder da Igreja não é por direito divino distinta e independente do poder civil, e que tal distinção e independência não se podem guardar sem que sejam invadidos e usurpados pela Igreja os direitos essenciais do poder civil". Nem podemos passar em silêncio a audácia de quem, não podendo tolerar os princípios da sã doutrina, pretendem "que aos juízos e decretos da Sé Apostólica, que têm por objeto o bem geral da Igreja, e seus direitos e sua disciplina, enquanto não toquem os dogmas da fé e dos costumes, se pode negar assentimento e obediência, sem pecado e sem nenhuma violação da fé católica". Esta pretensão é tão contrária ao dogma católico do pleno poder divinamente dado pelo próprio Cristo Nosso Senhor ao Romano Pontífice para apascentar, reger e governar a Igreja, que não há quem não o veja e entenda clara e abertamente.

7. Em meio de esta tão grande perversidade de opiniões depravadas, Nós, com plena consciência de Nossa missão apostólica, e com grande solicitude pela religião, pela sã doutrina e pela saúde das almas a Nos divinamente confiadas, assim como até pelo próprio bem da sociedade humana, temos julgado necessário levantar de novo Nossa voz apostólica. Portanto, todas e cada uma das perversas opiniões e doutrinas determinadamente especificadas nesta Carta, com Nossa autoridade apostólica as reprovamos, proscrevemos e condenamos; e queremos e mandamos que todas elas sejam tidas pelos filhos da Igreja como reprovadas, proscritas e condenadas.

8. A par disso, bem sabeis, Veneráveis Irmãos, como hoje esses inimigos de toda verdade e de toda justiça, adversários encarniçados de nossa santíssima Religião, por meio de venenosos livros, libelos e periódicos, espalhados por todo o mundo, enganam os povos, mentem maliciosamente e propagam outras doutrinas ímpias, das mais variadas espécies.

9. Não ignorais que também se encontram em nosso tempo aqueles que, movidos pelo espírito de Satanás e incitados por ele, chegam a tal impiedade que não temem atacar o próprio Rei Senhor Nosso Jesus Cristo, negando sua divindade com frases insolentes e criminosas. E aqui não podemos deixar de louvar, Veneráveis Irmãos, vosso zelo, pois contínua e esforçadamente haveis alçado vossa voz contra tanta impiedade.

10. Assim, pois, com esta Nossa carta de novo falamos a vós que, chamados a participar de Nossa solicitude pastoral, Nos servis - em meio de Nossas grandes dores- de consolo, alegria e ânimo, pela excelsa religiosidade e piedade que os distinguem, assim como pelo admirável amor, fidelidade e devoção com que, em união íntima e cordial conosco e com esta Sé Apostólica, os consagrais a levar a pesada carga de vosso gravíssimo ministério episcopal. Na verdade que de vosso excelente zelo pastoral esperamos que, empunhando a espada do espírito - a palavra de Deus - e confortados com a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, redobrais vossos esforços e cada dia trabalheis mais ainda para que todos os fiéis confiados a vosso cuidado se abstenham das más ervas, que Jesus Cristo não cultiva porque não são plantação do Pai [7]. E não deixeis de inculcar sempre aos próprios fiéis que toda a verdadeira felicidade humana provém de Nossa augusta religião e de sua doutrina e exercício; que é feliz aquele povo, cujo Senhor é seu Deus [8]. Ensinai que os reinos subsistem [9] apoiados no fundamento da fé católica, e que nada há tão mortífero e tão perto do precipício, tão exposto a todos os perigos, como pensar que, podendo bastar-nos a nós mesmos pelo livre arbítrio recebido ao nascer, por isso, nada mais temos de pedir a Deus: isto é, esquecemos de Nosso Criador e abjurar seu poderio, para assim mostrarmos plenamente livres [10]. Tampouco omitais o ensinamento que a potestade real não se deu somente para governo do mundo, senão também e sobretudo para a defesa da Igreja [11]; e que nada há o que possa dar maior proveito e glória aos reis e príncipes como deixar que a Igreja católica ponha em prática suas próprias leis e não permitir que nada se oponha a sua liberdade, segundo ensinava outro sapientíssimo e fortíssimo Predecessor Nosso, São Félix quando inculcava ao imperador Zenão. Pois certo é que, ao se tratar das causas de Deus, é bom que em tudo isso a vontade régia se esforce em submeter-se aos sacerdotes de Cristo e não antepor-se aos mesmos, segundo o que o próprio Deus há determinado [12].

11. Mas, se sempre foi necessário, Veneráveis Irmãos, agora de modo especial, no meio de tão grandes calamidades para a Igreja e para a sociedade civil, no meio de tão grande conspiração de inimigos contra o catolicismo e esta Sé Apostólica, entre acúmulo tão grande de erros, é absolutamente indispensável que recorramos confiados ao Trono da graça para conseguir misericórdia e encontrar a graça com o oportuno auxílio.

Pelo qual queremos excitar a devoção de todos os fiéis, para que, junto com Nós e com Vós, no fervor e humildade das orações, roguem e supliquem incessantemente ao clementíssimo Pai das luzes e da misericórdia; e com plena fé recorram sempre a Nosso Senhor Jesus Cristo, que para Deus nos redimiu com seu Sangue; e com fervor peçam continuamente a seu Coração dulcíssimo, vítima de sua ardente caridade conosco, para que com os motivos de seu amor todo nos atraia até si, de sorte que inflamados todos os homens em seu amor santíssimo caminhem retamente segundo seu Coração, agradando a Deus em todo e frutificando em toda boa obra. E sendo, indubitavelmente, mais gratas a Deus as orações dos homens, quando esses recorrem a Ele com alma limpa de toda impureza, temos determinado abrir com Apostólica liberalidade aos fiéis cristãos os celestiais tesouros da Igreja confiados ao Nosso cuidado, a fim de que os próprios fiéis, mais fervorosamente abrasados na verdadeira piedade e purificados pelo sacramento da Penitência das manchas de seus pecados, com maior confiança dirijam a Deus suas orações e consigam sua graça e sua misericórdia.

12. Por meio, pois, destas Letras, com Nossa Autoridade Apostólica, a todos e a cada um dos fiéis do mundo católico, de um e de outro sexo, concedemos a Indulgência Plenária em forma de Jubileu, tão somente por espaço de um mês, até terminar o próximo ano de 1865, e não mais, na forma que determineis vós Veneráveis Irmãos, e os demais legítimos Ordinários, segundo o modo e maneira com que no começo de Nosso Pontificado o concedemos por Nossas Letras apostólicas em forma de Breve, dadas no dia 20 de novembro do ano de 1846, enviadas a todos os Bispos, Arcano Divinae Providentiae consilio, e com todas as faculdades que Nós por meio daquelas Letras concedíamos. E queremos que se guardem todas as prescrições dessas ditas Letras, e se excetue o que declaramos excetuado. O qual concedemos, não obstante qualquer coisa em contrário, até as dignas de especial e individual menção e derrogação. E a fim de que desapareça toda dúvida e dificuldade, temos ordenado que se os mandem cópias de ditas letras. Roguemos - Veneráveis Irmãos- do fundo de nosso coração e com toda a alma a misericórdia de Deus, porque Ele mesmo disse: "Não afastarei deles a minha misericórdia". Peçamos e receberemos; e se o auxílio se fizer esperar, pensemos que temos pecado gravemente; chamemos, porque a porta será aberta ao que chamar, contanto que se bata a porta com orações, com gemidos e com lágrimas, insistindo nós e perseverando; e que seja unânime Nossa oração. Cada um rogue a Deus não somente por si mesmo, mas também por todos os Irmãos, como o Senhor nos ensinou a rezar [13]. E para que o Senhor conceda mais facilmente as nossas orações e as vossas e as de todos os fiéis, ponhamos por intercessora junto a Ele, com toda confiança, a Imaculada e Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, que aniquilou todas as heresias no mundo, e que, Mãe amantíssima de todos nós, é toda doce... e plena de misericórdia..., a todos se oferece propicia e a todos clementíssima; e com singular amor amplíssimo tem compaixão das necessidades de todos [14], e como Reina que está a direita de seu Unigênito Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, com manto de ouro e adornada com todas as graças, nada há que Ela não possa obter Dele Peçamos também o auxilio do beatíssimo Pedro, Príncipe dos Apóstolos e de seu co-apóstolo Paulo e de todos os Santos que, amigos de Deus, já chegaram ao reino celestial e coroados possam a palma, e que, seguros de sua imortalidade, estão solícitos por Nossa salvação.

Finalmente, pedindo a Deus de todo coração para Vós a abundância de suas graças celestiais, como prenda de Nossa singular benevolência, com todo amor os damos do íntimo de Nosso coração Nossa Apostólica Benção, a vós mesmos, Veneráveis Irmãos, e a todos os clérigos e fiéis confiados a vossos cuidados.

Dado em Roma, junto a São Pedro, em 8 de dezembro de 1864, dez anos depois da definição dogmática da Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus, décimo nono ano de Nosso Pontificado.
 

Notas
[1] Gregor. XVI, enc. Mirari 15 ag. 1852.
[2] Ibid.
[3] S. Aug., Ep. 105 (al. 166).
[4] S. Leo M., Ep. 14 (al 133) **** 2, edit. Ball.
[5] Ep. ad Card. De a Rochefoucault, 10 mart. 1791.
[6] Clenent. XII In eninenti; Bened. XIV Providas Romanorum; Pii VII
Ecclesiam; Leon XII Qua graviora.
[7] S. Ignatius M. ad Phiadoph., 3.
[8] Ps. 143.
[9] S. Caelest., Ep. 22 ad Sen. Ephes. apud Coust., 1200.
[10] S. Innocent. I, Ep. 29 ad episc. comc. Carthag. apud Coust., 891.
[11] S. Leo, Ep. 156 (al. 125).
[12] Pii VII enc. Diu satis 15 maii 1800.
[13] S. Ceprian., Ep. 11.
[14] S. Bernard. Sermo de duodecim praerogativis B.M.V. ex verbis Apocalep.