30 de setembro de 2011

São Jerônimo

Salve Maria!

Hoje é dia de São Jerônimo, patrono de nosso blog.

Biografia de
São Jerônimo
(../../347 - 30/09/420)
Presbítero, Confessor
Santo Padre da Igreja
Doutor Máximo nas Sagradas Escrituras
 
Seu verdadeiro nome era Eusébio, en latín, Eusebius Sophronius Hieronymus, que havia herdado de seu pai. Jerônimo é somente um sobrenome, o qual ficou mais tarde sendo designado ao ilustre sábio.

Nasceu em Estridão, cidade localizada entre a Dalmácia, e da Panônia, de uma família cristã.

Na segunda metade do quarto século, enquanto nas Gálias surgiam dois grandes homens. Hilário e Martim, surgiam outros dois na África: Santo Optat, bispo de Mileva, e Agostinho, que acabara de nascer em Tagasta, em 354. Ambrósio, futuro bispo de Milão, que deveria um dia receber Santo Agostinho na Igreja, tinha então quatorze anos, e estudava em Roma as línguas: grega e latina. Nessa mesma ocasião. Roma viu chegar dos confins da Dalmácia e da Panônia, outro futuro doutor da Igreja, Jerônimo; nascido em cerca do ano de 331 de pais ricos e distintos. Viera para identificar-se com a língua de Virgílio e de Cícero, sob a direção do orador Vitorino e do gramático Donato, célebre comentador de Virgílio e de Terêncio. A Igreja tinha que sustentar acirradas lutas de doutrina, e a Providência suscitava-lhe por toda a parte grandes doutores.

Depois de ter estudado em Roma e viajado pelas Gálias. São Jerônimo permaneceu algum tempo na Aquiléia, e em seguida dirigiu-se a Antioquia em companhia do sacerdote Evrágio; de lá, retirou-se para um deserto, nos confins da Síria e da Arábia. Foram seus companheiros de retiro dois amigos, Inocêncio e Heliodoro, e um escravo chamado Hilas. O sacerdote Evrágio, que era rico, forneceu-lhe tudo de quanto precisava, pagava escribas para auxiliá-los nos estudos, que continuava a fazer, e remetia-lhe de Antioquia as cartas que lhe eram dirigidas de vários lugares. São Jerônimo perdeu dois de seus companheiros: Inocêncio morreu, Heliodoro não tardou a partir, prometendo retornar. O próprio santo foi acometido por repetidas doenças e o que ainda mais o fatigava, assaltado por violentas tentações impuras, que provinham da lembrança dos prazeres de Roma. Como os jejuns e outras austeridades corporais não o libertassem, empreendeu, para dominar a imaginação, um estudo espinhoso: aprender a língua hebraica, sob a direção de um judeu convertido. Depois da leitura de Cícero e dos melhores autores latinos, era-lhe penoso voltar ao alfabeto, e exercitar-se nas aspirações e nas pronúncias difíceis. Muitas vezes abandonou o trabalho, irritado com as dificuldades: muitas vezes o retomou e finalmente adquiriu um profundo conhecimento daquela língua.

Até mesmo no seu deserto da Síria. São Jerônimo foi perturbado pela discórdia que irrompera entre três bispos, um ariano e dois católicos. Queriam saber com qual deles permanecia, se com Vital. Melécio, ou Paulino. O bispo dos arianos e dos católicos do partido de Melécio perguntou-lhe se considerava tais hipóstases na Trindade. Farto dessas perguntas, escreveu São Jerônimo ao Papa São Damaso nos seguintes termos:

"Como o Oriente, agitado por suas antigas violências, dilacera as vestes sem costura do Senhor, julguei meu dever consultar o trono de Pedro, e a fé louvada pela boca do apóstolo, procurando alimento para a minha alma no mesmo lugar onde revesti Cristo por intermédio do batismo. Vossa grandeza me enche de temor, mas vossa bondade me atrai: cordeiro, peço socorro ao pastor. Para trás, pois, inveja: para trás, dignidade e grandeza de Roma! dirijo-me ao sucessor do Pescador e ao Discípulo da Cruz! Não tendo outro senhor a não ser Cristo, estou unido em comunhão à vossa beatitude, isto é, ao trono de Pedro. Sei que a Igreja foi construída sobre essa Pedra. Quem comer o cordeiro fora dessa casa é profano: quem não estiver na arca de Noé, perecera no dilúvio. Como nem sempre posso consultar Vossa Santidade, procuro os confessores egípcios, vossos colegas, como uma barquinha se coloca sob a proteção dos grandes navios. Não conheço Vital, rejeito Melécio. ignoro quem seja Paulino. Quem não se reunir a vós, está disperso; isto é, quem não é por Cristo, é pelo Anti-cristo.

"Perguntam-me se admiti três hipóstases: pergunto o que significam tais palavras. Respondem-me que são três pessoas subsistentes; digo que assim o creio; argumentam que não é suficiente e insistem em que eu pronuncie a palavra. Dizemos em voz alta: "Se alguém não confessar três hipóstases, no sentido de três pessoas subsistentes, que seja anátema". E por não termos pronunciado a palavra sem explicação, tratam-nos como a heréticos. De outro lado, também dizemos: "Se alguém compreendendo por hipóstase essência, não confessa uma hipóstase em três pessoas, é estranho a Cristo", e acusam-nos, tal como a vós, de confundir as três pessoas numa só. Decidi, pois, conjuro-vos; se me aprovardes, não recearei mais dizer três hipóstases; se assim ordenais, será feito um novo símbolo de acordo com o de Nicéia e professada a fé ortodoxa quase nos mesmos termos em que os arianos professam seu erro".

Sermão do Bom Pastor


Sermão do Bom Pastor - por Dom Tomás de Aquino (Prior do Mosteiro da Santa Cruz).




Fonte: Ecclesiam
Ano: 2010

29 de setembro de 2011

O valor do tempo


 O valor do tempo

"Só o não fazer bem nenhum é já um grande mal" (S. Francisco de Sales)."

Se observamos atentamente a vida de muitos cristãos, acharemos que eles não parecem estar no mundo para mais nada senão para não fazerem coisa alguma, ou, ao menos, coisas de proveito. Todas as horas do dia e da noite são gastas em atender ao corpo, à sua pessoa, à sua comodidade e bem-estar, sem as empregarem nalguma ocupação útil, sem terem um ideal digno e elevado, sem trabalharem nem pouco nem muito por Deus, pela sua alma, nem pelo bem do próximo. A cama, a mesa, o jogo, a conversa, o passeio, o café, o teatro, as excursões recreativas..., eis aqui o único campo que estes personagens inúteis cultivam; eis aqui os ídolos a quem eles prestam culto. Estão inteiramente dominados pelo vício da ociosidade; levam uma vida só de gozo e moleza; de cristãos não têm senão o nome. 

Sem chegar ao extremo destes, há outra classe de pessoas, principalmente entre as senhoras e moças de certa classe, que passam por boas porque ‘não fazem mal a ninguém’; que praticam, em pequeno grau, a piedade; que ouvem a Missa nos dias de festa (geralmente a que se celebra a hora adiantada, porque costumam levantar-se muito pouco tempo antes dessa hora); que rezam algumas orações que sabem de cor, ao levantar e ao deitar, e poucas mais durante o dia; que pertencem, talvez, a alguma confraria piedosa, a cujos exercícios de regra assistem raras vezes e para passar o tempo; que se confessam e comungam de vez em quando; que acodem a ouvir alguns sermões, se o pregador tem fama e é do seu agrado, ou a alguma grande solenidade religiosa, onde se possam mostrar piedosas e, ao mesmo tempo, satisfazer em parte, o seu desejo de exibição...; mas, afora isto (que, afinal, é tudo muito superficial) não fazem mais. 

Adotar uma vida de piedade sóbria e regrada; abraçar aquelas práticas ascéticas que exigem alguma mortificação ou vencimento de si mesmo; privar-se dos seus gostos, dos seus caprichos, dos seus divertimentos favoritos, das imodéstias e das modas, dos espetáculos profanos, sempre frívolos, frequentemente perigosos, às vezes abertamente imorais; dedicar-se a algum trabalho sério, em que empregar o tempo proveitosamente; impor-se algum sacrifício a favor do próximo; tomar parte nalguma obra de caridade ou de zelo, como, por exemplo, visitar os pobres, ajudar na catequese, atender a alguma outra necessidade espiritual ou temporal da sua paróquia, etc., tudo isto é completamente alheio ao plano de vida que levam as pessoas de que vimos falando. 

Entre o espelho, o passeio, as visitas, alguns entretenimentos levianos, a leitura de romances, a assistência a espetáculos..., entre estas, digo, e outras frivolidades semelhantes, empregam as horas do dia, as de todos os dias, e assim passam as semanas, os meses e os anos, como se vê, numa completa ociosidade; porque esta não consiste só em não fazer nada, mas também em fazer coisas inúteis ou pueris, que não trazem benefício nenhum nem a si nem aos demais, como são todos os passatempos que acabamos de enumerar e outros deste teor. 

Finalmente, entre as pessoas verdadeiramente virtuosas, pode dar-se também, e tem-se dado (se bem que muitíssimo menos acentuado, menos grosseira e mais sutil), certa espécie de ociosidade; pois é tal a índole deste vício, que como filho da preguiça, ataca em menor ou maior grau todos os homens, mesmo os mais espirituais, sendo poucos os que não sintam alguma vez a sua influência perniciosa.

E assim, são efeitos desta ociosidade ou preguiça espiritual essa inapetência, esse tédio que de vez em quando experimentam estas almas no cumprimento das suas próprias obrigações, ou no exercício das práticas de piedade, e que faz com que omitam ou que encurtem ou que vão deixando para depois, ou que executem com frouxidão e negligência o trabalho, a meditação, a recitação do Ofício Divino, o exame particular, a leitura espiritual, as obras de caridade ou de zelo, etc., ocupando-se, entretanto, de outras coisas que são mais do seu agrado, ou em recreaço mais do seu agrado, ou em recreaçeitura espiritual, as obras de caridade ou de zelo, etc., espirituais, sendo poucos os que nões excessivamente prolongadas, ou em conversas e visitas inúteis, ou talvez em divagações da imaginação e do espírito, pensando em coisas quiméricas e inoportunas, e comprazendo-se em fazer castelos no ar, em vez de se aplicarem em coisas de mais próxima realização e em cumprirem com fiel exatidão o plano de vida que costumam ter estabelecida para o devido emprego do tempo. 

Examina-te, querido leitor, e vêm em que grau e proporção pagas tributa à ociosidade pra que resolvas fazer um esforço generoso para a combater e evitar, se queres agradar ao Senhor e adiantar no caminho da perfeição; pois é um dos vícios que mais retardam o progresso na vida espiritual. 'Se entre todas as graças - escreve o preclaríssimo padre Faber - a maior é a perseverança, porque é a que dá às outras um valor durável, a preguiça ou ociosidade espiritual é, pelo contrário, entre todos os vícios que atacam a vida espiritual, o mais pernicioso, porque é a antítese da perseverança' ('O Progresso da Vida Espiritual', cap. XIV).

Certamente, santidade e ociosidade são duas coisas incompatíveis. Se os Santos chegaram ao grau de perfeição que admiramos neles, foi porque nunca estiveram ociosos. Santo Afonso Maria de Ligório fez o voto de não desperdiçar um momento de tempo.

'Compreendemos - escreve por este mesmo motivo o mesmo padre Faber- que um homem como esse, que com toda a sua discrição e humildade, se atreveu a fazer um voto de tal natureza, devia levar uma vida que não podia ter outro fim o de o porem nos altares' (Idem). 

A nós não se nos pede tanto, nem seria prudente que sem uma inspiração muito particular do alto e o conselho de um diretor experimentado, fizéssemos um voto semelhante; mas o que nos exige Nosso Senhor é que evitemos a ociosidadee não demos motivos para que possam dizera nós como aos obreiros da parábola da vinha: 'Como estais aqui ociosos todo o dia?' (Mt XX, 6). 

Que grande pena e que cegueira tão deplorável inutilizar em bagatelas o tempo que Deus nos concede para negociarmos com Ele a nossa salvação e irmos acrescentando o cabedal dos nossos merecimentos, aos quais há de corresponder depois o grau de glória de que gozaremos no Céu! E que linguagem tão insensata a daquelas pessoas que, deixando deslizar a sua vida na ociosidade, se expressam nestes ou em termos semelhantes: 'Vamos a tal ou tal divertimento, a fazer esta ouaquela visita, a ver tal ou tal espetáculo... para evitar o aborreciemnto e passar o tempo'. São Bernardo não suportava esta expressão. 'Oh! - exclamava o santo - para passar o tempo que a Misericórdia do Criador te concedeu benignamente para fazeres penitência, para obteres o perdão dos teus pecados, para adquirires a graça, para mereceres a glória!'

Oh! Para 'passar o tempo, em que devias trabalhar com toda a tua diligência para atraires sobre ti a piedade divina, aspirares à companhia dos anjos e bem-aventurados do Céu, suspirares pela herança divina e chorares tuas iniquidades passadas' (De Diversis, Serm.17). 

A perda de tempo é um grande mal, e um mal irreparável. O tempo que deixamos correr na ociosidade, já não voltará mais. Podemos empregar proveitosamente o tempo presente, único de que dispomos, e o tempo vindouro, que o Senhor se digne conceder-nos; e faremos bem nisso, sem dúvida, para compensarmos de alguma maneira a nossa preguiça e inação passadas; mas fazer que volte o tempo passado, para o empregarmos melhor, isso é já um impossível. 

Pensa nisso, amadíssimo leitor, e pensa além disso, nos graves perigos que traz consigo a perda de tempo, quer dizer, a ociosidade. As Sagradas Escrituras assinalam esta como fonte e mãe de muitos pecados, resumindo a gravidade deste vício nestas palavras do Eclesiástico: 'Muitas são as maldades que a ociosidade ensinou' (Ecl XXXIII, 29). Os mesmos Livros Santos chamam estultíssimo ao homem que entrega ao ócio (Prov XII, 11). E o profeta Ezequiel enumera a ociosidade dos habitantes de Sodoma entre as causas principais da sua depravação e iniquidade (Ez XVI, 49). 

São Bernardo chama à ociosidade 'mãe das frivolidades, madrasta das virtudes, sentina de todas as tentações e maus pensamentos', e acrescenta que 'a luxúria aflige mais e seduz mais o homem quando está ocioso' (De modo bene vivendi, Serm. 51). Santo Agostinho, depois de evocar a triste queda de três personagens do Antigo Testamento: Davi, Salomão e Sansão, diz a propósito disto: 'Enquanto estiveram entregues às suas ocupações mantiveram-se santos; mas na ociosidade pereceram' (Ad. Frat. in erem., Serm. 17). 'Sempre se viu - escreve um escritor ascético - correr claro e cristalino o arroio pelo declive de uma colina; mas, parando na planície, torna-se limoso; e, mais tarde, agitando-se as suas águas, que encontra nela? Inúmeros répteis: Reptilia quorum non est numerus. Eis aqui o coração do homem que dorme na inércia e na ociosidade' (Pe. Chaignon, Meditações Sacerdotais). 

Alma devota que lês isto, evita a ociosidade com todo o empenho e diligência (não a confundas com o divertimento moderado e honesto); e ainda que em ti não se ache muito acentuada essa ociosidade e não te julgues em ocasião próxima de te veres induzido por ela às graves desordens que acabamos de apontar, tem presente que, se não aproveitas bem o tempo, se és mais ou menos preguiçosa e negligente no cumprimento dos teus deveres, nas práticas de piedade ou de zelo, que a tua situação e circunstâncias te permitam realizar, não adiantarás na virtude, estarás sempre estacionada e envolta nos mesmos defeitos, e não corresponderás aos desígnios de Deus, que te quer mais trabalhadora, mais diligente no Seu serviço, mais perfeita, mais santa. E no fim da vida te encontrarás muito vazia de merecimentos. 

Resolve-te, pois, a empregar bem o tempo que o Senhor te oferece para te santificares cada dia mais e mais; crescer em graça, em virtude, em méritos e depois na glória por toda a eternidade. 

Se perguntássemos aos bem-aventurados do Céu, que estão agora a desfrutar do Sumo Bem, quanto lhes custou ganhar essa coroa imortal de glória e de felicidade, responder-nos-iam que a tinham conquistado por baixo preçocom um curto espaço de tempo, com alguns poucos anos empregados santamente aqui nesta vida. Isto fez dizer a São Bernardino de Sena que, num certo sentido, o tempo é o Céu, visto que com ele se pode comprar o Céu; mais ainda, que o tempo vale tanto como Deus, já que empregar bem o tempo equivale a permutá-lo com a posse eterna de Deus (Serm. 18). 

Procuremos, caríssimo leitor, seguir nisto, como em tudo, os ensinamentos e os exemplos dos Santos, inimigos declarados da ociosidade. Interrogada, um dia, Santa Joana Francisca de Chantal, por que não queria descansar nenhum momento e por que era tão avara do tempo, respondeu: 'Porque já não é meu: consagrei-o ao Senhor, e não posso tirar dele nenhum só instante, sem que cometa uma injustiça contra Aquele a quem pertence'. E São Francisco de Sales, aquele varão apostólico, que tão bem soube empregar os dias todos de sua vida, fecundíssima certamente, em obras de caridade e de zelo pela glória divina e pela salvação das almas, costumava dizer com a mais profunda humildade: 'Quando reflito sobre o emprego que fiz do tempo de Deus, temo que não me queira dar a Sua eternidade, reservada somente aos que fazem bom uso dele'.

Tempo de Deus!

diz o santo. Verdadeiramente, é de Deus enão nosso, porque Ele é que no-lo concede na Sua amorosa Providência para que o consagremos inteiramente a Ele e o empreguemos no Seu divino serviço. Ditosos nós, se assim o fizermos! Que paz interior teríamos durante a nossa vida; que esperança tão doce e consoladora na hora da nossa morte; que galardão tão grande por toda a eternidade!" 

(Da obra: A perfeição cristã, segundo o espírito de São Francisco de Sales)

Fonte: Texto retirado do antigo blog odioaheresia

28 de setembro de 2011

ROGER SCRUTON - Entrevista


Salve Maria! 


Lendo a Revista Veja me deparei com esta entrevista e achei-a bem interessante; assim sendo regue abaixo as respostas deste filósofo.
BANDERNEIROS E MIMADOS

O filósofo inglês diz que os quebra-quebras
em Londres são obra de uma juventude
dependente e ressentida, criada pelo excesso
de políticas estatais assistencialistas.


O filósofo inglês Roger Scruton, de 67 anos, é presença constante nos debates realizados em seu país quando é preciso ter na mesa um pensador independente e corajoso. Autor de 42 livros de ensaios. Scruton é uma pedra no sapato da ideologia politicamente correta que predomina bovinamente na Europa. Multiculturalismo? Um desastre. A arte moderna? Detestável, e por aí vai o filósofo, que lecionou nas universidades Oxford, na Inglaterra, e Boston, nos Estados Unidos, e atraiu para si o cognome de “defensor do indefensável”. Um dos fundadores do Conservative Action Group, que ajudou a eleger a primeira-ministra Margaret Thatcher, Scruton publicou recentemente um novo livro. As Vantagens do Pessimismo, ainda sem previsão de lançamento no Brasil.

UM BOM NÚMERO DE INTELECTUAIS INGLESES INTERPRETOU A ONDE DE VANDALISMO EM LONDRES E ARREDORES COMO ATOS DE JOVENS NIILISTAS SEM MAIORES REPERCUSSÕES. O SENHOR CONCORDA?

Acho essa explicação muito simplista. Muitos desses desordeiros são realmente niilistas, que não acreditam em nada e não se identificam com nenhuma instituição, crença ou tradição capaz de fazer florescer em cada um deles o senso de responsabilidade e o respeito pelo próximo. Alguns não têm emprego. Mas, na maior parte dos casos, eles agiram por uma escolha deliberada. Desemprego e niilismo sempre existiram. Ninguém mencionou como uma das causas nesses jovens pelas políticas do estado de bem-estar social. Diversos estudos mostram com clareza a vinculação desses programas assistencialistas com a proliferação de uma classe baixa ressentida, raivosa e dependente. Não quero ser leviano e culpar apenas as políticas socialistas pelos tumultos. As pessoas promovem arruaças por inúmeras razões. Entre os jovens vens, a revolta é uma condição inerente, um padrão de comportamento. Mas é preciso um pouco mais de honestidade intelectual para buscar uma resposta mais concreta sobre o que ocorreu em Londres. Por debaixo do verniz civilizatório, todo homem tem dentro de si um animal à espreita. Infelizmente, se esse verniz for arrancado, o animal vai mostrar a sua cara. A promessa de concessão de direitos sem a obrigatoriedade de deveres e de recompensas sem méritos foi o que arrancou o verniz nessa recente eclosão de episódios de vandalismo na Inglaterra.

“Por debaixo do verniz civilizatório,
todo homem tem dentro de si
um animal à espreita.
Infelizmente, se esse verniz for arrancado,
o animal vai mostrar a sua cara.”

OS DISTÚRBIOS EM LONDRES E OS PROTESTOS NO CAIRO, EM ATENAS, EM MADRI E EM TEL-AVIV SÃO UM MESMO “GRITO DOS EXCLUÍDOS”?

Sou cético em relação à ideia de que os protestos que eclodiram em diversos pontos do mundo têm a ver com exclusão, com o suposto aumento no número de pobres ou com concentração de renda. Os baderneiros de Londres são, pelos padrões do século XVIII, ricos. Desculpe-me, mas é resultado de exclusão depredar uma cidade porque você tem um só carro, um apartamento pequeno pelo qual não paga aluguel, recebe mesada do governo sem ter de fazer nada para embolsá-la, compra três cervejas, mas gostaria de beber quatro, e acha que ter apenas um televisor em casa é pouco? Não. Ver exclusão nesses episódios só faz sentido na cabeça de um professor de sociologia. É um absurdo também comparar os tumultos de Londres com os eventos no Oriente Médio. Os jovens do Egito exigiam algo do governo. Os jovens ingleses não dão a mínima para o governo ou para as instituições.

NO SEU ÚLTIMO LIVRO, O SENHOR AFIRMA QUE O OTIMISMO É MAIS NOCIVO PARA OS INDIVIDUOS E PARA AS NAÇÕES DO QUE O PESSIMISMO. COMO O OTIMISMO PODE SER TÃO PREJUDICIAL?

Não falo do otimismo como virtude, nem da esperança ou da fé, que servem para a elevação espiritual do indivíduo e fomentam inovações e avanços. O otimismo prejudicial é o desmedido ou, como disse o filósofo Arthur Schopenhauer, o otimismo mal-intencionado, inescrupuloso. É o tipo de pensamento que está por trás de todas as tentativas radicais de transformar o mundo, de superar as dificuldades e perturbações típicas da humanidade por meio de ajuste em larga escala,de uma solução ingênua e utópica, como o comunismo, o fascismo e o nazismo. Otimismo e utopia em excesso geralmente acabam em nada, ou, pior, dão em totalitarismo. Lenin, Hitler e Mao pertencem a essa categoria de otimistas inescrupulosos. A crise financeira e institucional da Europa é a mais recente consequência do pensamento utópico e do otimismo exagerado que são a base, o fundamento e a força propulsora da União Europeia.

PODE-SE REDUZIR A UNIÃO EUROPEIA APENAS A UMA MANIFESTAÇÃO DE OTIMISMO UTÓPICO E INSENSATO?

É uma ilusão, se não uma loucura, acreditar que os alemães e os gregos podem pertencer à mesma organização e se adequar às mesmas normas financeiras. Como impor a mesma moeda, o mesmo sistema e o mesmo modo de vida ao alemão trabalhador, cumpridor das leis, respeitador da hierarquia, e ao grego fanfarrão e avesso às normas? Arrisco-me a dizer que a União Europeia é um fracasso porque contém as insanidades institucionais do velho experimento comunista. Assim como o comunismo soviético, a União Europeia é um objetivo inalcançável, pois foi escolhido pela sua pureza, que exige que todas as diferenças sejam atenuadas, os conflitos superados, e no qual a humanidade deve se encontrar como que sob uma unidade metafísica que jamais pode ser questionada ou posta à prova.

APESAR DO COLAPSO DO COMUNISMO E DE OUTRAS TRAGÉDIAS SEMELHANTES, AS PESSOAS CONTINUAM CAINDO POR CAUSAS UTÓPICAS. POR QUÊ?

O pensamento utópico sobrevive porque não se trata de uma ideia de fato, mas de um substituto de uma ideia, algo que serve de alívio para a difícil – e geralmente depressiva – tarefa de ver as coisas como elas são realmente. É uma forma de vício, um curto-circuito que afasta os indivíduos da razão e do questionamento racional e efetivo. O pensamento utópico nos remete diretamente para um objetivo, passando por cima da viabilidade do projeto. É fácil digeri-lo e se embeber do seu otimismo mal-intencionado e sem fundamento. O problema vem depois, quando a utopia termina em fiasco.

O AMBIENTALISMO É A GRANDE UTOPIA MODERNA?

Há dois tipos de ambientalista. O primeiro sonha com soluções amplas, inalcançáveis, cujo objetivo real não é promover o bem de ninguém nem do planeta, mas sim inflar o ego de seus criadores. O segundo é realista, segue o caminho conservador e reconhece que o que deve ser feito em prol do ambiente é difícil, atinge um número limitado de pessoas ou de lugares e exige sacrifícios reais. O problema é que a questão ambiental foi parar nas mãos erradas. A esquerda transformou a proteção do meio ambiente em uma causa, em um movimento que necessita de intervenções estatais, em um assunto no qual há culpados e vítimas. No caso, os culpados são os capitalistas e a vítima é o planeta. A esquerda adora o culto à vítima.

QUE TRADIÇÃO É ESSA?

É uma tradição esquerdista, que vem desde o século XIX e de Karl Marx, em particular. Consiste em julgar toda forma de sucesso humano a partir do fracasso dos outros. Com base nisso, engendrar um plano de salvação para os mais fracos. Esse é um dos motivos pelos quais os movimentos de esquerda continuam a fazer sucesso. Eles sempre oferecem uma causa justificável e uma vítima a ser resgatada. No século XIX, a esquerda pretendia salvar os proletários. Nos anos 60, a juventude. Depois, vieram as mulheres e, por último, os animais. Agora, eles pretendem resgatar o planeta, a maior de todas as vítimas que encontraram para justificar seus atos. Ora, as questões ambientais são reais e não podem ser enclausuradas na ideologia de esquerda. Temos o dever de cuidar do ambiente e sacrificar os nossos desejos para garantir um lar, um futuro para as próximas gerações. O problema é radicalizar a questão no bojo de um movimento com conotações até religiosas. Preservar o ambiente virou uma questão de fé. Está na hora de acabar com o pensamento de que a sociedade é um jogo de soma zero, segundo o qual se um ganhar o outro tem de perder. Com práticas ambientais sustentáveis , todos ganham.

“A TRADIÇÃO DA ESQUERDA
É JULGAR O SUCESSO HUMANO
PELO FRACASSO DE ALGUNS.
ISSO SEMPRE LHE FORNECE
UMA VÍTIMA A SER RESGATADA.
NO SÉCULO XIX, ERAM OS PROLETÁRIOS.
NOS ANOS 60, A JUVENTUDE.
DEPOIS, AS MULHERES E OS ANIMAIS.
AGORA, O PLANETA."

ONDE MAIS SE REVELA ESSA IDEIA DA ‘SOMA ZERO’ DAS RELAÇÕES HUMANAS?

Ela é o refrão central dos socialistas, é o principal inimigo da caridade, da gentileza e da justiça. Na política internacional, essa forma de pensar se expressa com toda a clareza nos antiamericanismo. Os Estados Unidos, a maior economia do mundo, o maior poderio militar, se tornaram o alvo principal das ressentidos, dos que se consideram fracassados por causa do sucesso alheio. O ataque às Torres Gêmeas, há dez anos, é uma mostra do que o ressentimento coletivo estimulado pela falácia da soma zero é capaz de causar.

POR QUE O SENHOR CRÍTICA TANTO A POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO DOS PAÍSES EUROPEUS?

A imigração em massa não é um assunto fácil. Basta escrevermos a palavra imigrante para sermos mais interpretados. Não sou contra a imigração. Minha opinião é que os imigrantes só se adaptarão a um país se forem incorporados legal e culturalmente à nação que os recebe. Para que isso dê certo, os forasteiros precisam superar o sentimento de distância que eles possuem em relação ao novo país. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, no passado. Os países europeus fazem justamente o oposto ao incentivar o multiculturalismo: encorajam as comunidades de estrangeiros a manter sua cultura e identidade, a não se misturar. Dessa forma, os imigrantes passam a se definir como diferentes, afastados, excluídos da comunidade, o que só faz crescer as tensões entre os grupos étnicos. Os recentes tumultos em Londres devem-se, em parte, ao multiculturalismo.

"O conservador reflete sobre coisas reais
e sabe que a liberdade verdadeira é obtida
sob leis e regras, pois sem instituições
não há liberdade,
mas selvageria."

ANÁLISES COMO ESSA SUA VISÃO TÊM SIDO ATACADAS POR, POTENCIALMENTE, FOMENTAR ATENTADOS COMO O QUE TRAUMATIZOU A NORUEGA, EM JULHO.

Isso é justo? Alguém culpa Jean-Paul Sartre pelo genocida cambojano Pol Pot? Karl Marx deve ser culpado pelos assassinatos de Stalin? Os socialistas alemães são responsáveis pelos atos da organização terrorista Facção do Exército Vermelho? Extremistas como o norueguês Anders Breivik podem agir em parte motivados por ideias, sim da mesma forma que eu ou qualquer outra pessoa. Sempre que um lunático de extrema direita pratica um crime terrível, os intelectuais de esquerda se unem para, em coro, dizer: é culpa do pensamento conservador. Eles se esquecem dos crimes muito mais graves que foram cometidos em nome dos ideais da esquerda. Indivíduos como Breivik cometem crimes não por causa das ideias que eles comungam com outras pessoas, mas por causa de algo que os afasta, isola e diferencia de outras pessoas. Eles matam por total e absoluto desprezo por vidas inocentes.

O QUE É FAZER PARTE DE UMA MINORIA NO MUNDO ACADÊMICO?

Eu acordei do meu delírio socialista durante os tumultos de maio de 1968, em Paris. No meio da destruição, das barricadas e das janelas quebradas, percebi que aqueles estudantes estavam intoxicados pelo simples desejo de destruir coisas e ideias, sem a mínima preocupação em colocar relevante no lugar. Foi difícil aceitar que meu futuro era me tornar um pária intelectual em maio à maioria esmagadora de esquerdistas. Em todo o mundo, as universidades têm uma declarada inclinação pela esquerda. É difícil explicar o motivo dessa propensão esquerdista, algo que persiste desde o iluminismo. Na minha tentativa de desvendar esse mistério, cheguei à seguinte conclusão: quando uma pessoa começa a pensar sobre as grandes questões que afligem o homem e a sociedade, tende a aceitar as posições da esquerda, pois elas parecem oferecer soluções. Ao pensar além, ao se aprofundar, a pessoa aprende a duvidar e rejeitar o argumento esquerdista. Nas universidades muita gente pensa, mas poucas refletem profundamente.

O QUE É UM CONSERVADOR?

É alguém que considera a liberdade um valor, um objetivo, mas não chama isso de um ideal. O conservador reflete sobre coisas reais e sabe que a liberdade verdadeira é obtida sob leis e regras, pois sem instituições não há liberdade, mas selvageria.
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Reportagem por GABRIELA CARELLI
Fonte: REVISTA VEJA impressa – Páginas Amarelas – Ed. 2235. Nº 44 – 21 de setembro de 2011


O Porquê das Heresias

 
O Porquê das Heresias
Do livro "As Grandes Heresias"
de Monsenhor Cristiani
Na oração sublime que os exegetas chamam "oração sacerdotal", Cristo pede ao Pai, com certa angústia, que os seus discípulos guardem para sempre a unidade: "Pai Santo, guarda em teu nome aqueles que me confiou, de modo que sejam um, como Nós... Não rogo somente por eles, mas também para aqueles que, movidos por sua pregação, creiam em mim, para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles também sejam um em Nós, a fim de que o mundo saiba que Tu me enviaste "(Jo XVII, 11, 20-24).
Cristo sabia o preço e a dificuldade da unidade, o que seria o principal sinal da verdadeira Igreja. Porém haveria divisões, rupturas da unidade, divergências de opinião, em uma palavra, heresias. Este é, de fato, o significado desta palavra de origem grega, que adotado pelo latim, foi quase desconhecido pela linguagem clássica, e, em vez disso, usado com freqüência pelos Padres da Igreja. De onde provém as heresias? Da diversidade de idéias, de características, temperamentos, e por fim, o próprio fato da liberdade humana. A Fé na Palavra de Deus é livre. Deus não força ninguém. Porém é inevitável que a fé exija por parte do homem um esforço de submissão e obediência. Esta obediência é uma opção. O papel das heresias é destacar essa opção. Por isso São Paulo disse: “É necessário que entre vós haja heresias para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” (I Coríntios, XI, 19).
E Tertuliano, 150 anos mais tarde, escrevia: “A condição de nosso tempo nos obriga a dar esta advertência, que não nos devemos admirar por causa das heresias, nem de sua existência, que foi predita, nem de que arruínem a fé em muitos, pois sua razão de ser é provar a fé, tentando-a”.
Se tentarmos verificar esta lei da prova necessária à fé, constataremos que ela faz parte das leis essenciais que regem os espíritos. Os anjos haviam sido submetidos a uma prova. Não lhe conhecemos o modo, mas constatamos o fato, na existência dos demônios (1). Eram anjos como os outros. Sucumbiram à prova. Os homens, por sua vez, devem ser “tentados”, isto é “provados”. É fácil ver o que acontece no aparecimento das heresias. No fato da heresia podem distinguir-se três aspectos diferentes: o aspecto filosófico, o aspecto paradoxal e o aspecto positivo.
Sob o ponto de vista filosófico, a heresia nasce do conflito ou do contraste entre a verdade revelada e os diversos sistemas filosóficos já estabelecidos nos espíritos sobre os quais recai essa revelação. A fé nem sempre encontra espíritos bem preparados para a receber. Cristo escolheu apóstolos sem instrução. Mas esses mesmos apóstolos tinham suas idéias, suas tradições, suas concepções sobre o reino messiânico. Os escribas e fariseus se julgavam bem mais esclarecidos que os humildes pescadores do lago da Galiléia. Em todos eles a fé encontrava obstáculos, em todos haviam preconceitos a vencer. E, passando dos Judeus para os pagãos, os conflitos de aspecto filosófico entre a fé e os sistemas em voga iriam ser ainda mais agudos. E até o fim dos tempos, seria a mesma coisa. Nem sempre é possível a concordância entre as filosofias humanas e a fé revelada. Os pensadores cristãos terão que executar uma tarefa imensa de adaptação entre a razão e a fé.

Do aspecto filosófico das heresias passamos, inevitavelmente, ao aspecto paradoxal. Entendemos com isso que a verdade revelada, pelo próprio fato de sua origem divina apresenta necessariamente sombras que a razão não consegue vencer. É o que exprimimos quando dizemos que a fé encerra mistérios. Refletindo sobre isso, compreendemos perfeitamente que uma religião sem mistérios não pode ser uma religião divina. A razão deve confessar sua impotência ante a fé vinda de Deus. E é isso que dá à heresia um aspecto paradoxal. Salienta a realidade antinômica e paradoxal do mistério da fé.

Enfim, a heresia se explica também pelo aspecto positivo. Com efeito, nem tudo está errado na heresia. Sempre contém uma intuição verdadeira, mas falseada pela interferência de um sistema filosófico que está em contradição com a fé, ou pela recusa implícita ou explícita do mistério da fé. Em toda heresia há, portanto, rebelião contra a verdade revelada e é nisso que se manifesta o sentido profundamente anticristão de qualquer heresia.

Êsse modo de ver a heresia é tradicional na Igreja. Mas sempre se tem insistido também no bem que pode surgir do grande mal que é a heresia. Tôdas as heresias foram ocasião de progresso na compreensão da fé, de confirmação da unidade no seio da Igreja.


(1) A respeito de Satã e os demônios, veja-se o tomo 21 da presente coleção.


Fonte: Retirado do livro “Breve História das Heresias” – Monsenhor Cristiani, Prelado da Santa Sé, Tradução de José Aleixo Dellagnelo, Sei e Creio, Enciclopédia do Católico no Século XX, Décima Terceira Parte, Irmãos Separados, Livraria Editora Flamboyant, São Paulo, 1962.
Foto: Autor desconhecido. Do álbum "Aedificabo Ecclesiam Meam", generosamente cedidas por Pedro Ravazzano ao Pedro Henrique.

"Hermenéutica de la Continuidad”





SPES
Contra todas as maledicências e todos os espíritos sectários, por um lado, e contra todos os adesismos, por outro, eis a verdadeira voz da Tradição.
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Dom Williamson
Un periodista Italiano afirmó  el mes pasado que él tenía la autoridad de “una persona de dentro del Vaticano” para escribir que en la reunión del 14 de Septiembre entre los oficiales de Roma y el Superior General de la Sociedad de San Pio X con sus dos Asistentes, se podría hablar acerca de una posible regularización canónica de la FSSPX. Aquí un resumen de los punto principales de Andrea Tornielli (ver link):

Los oficiales del Vaticano presentarán a la FSSPX (1) una aclaración de la “hermenéutica de la continuidad” de Benedicto XVI para mostrar como es la interpretación más auténtica de los textos del Vaticano II. “Solo si”, dice Tornielli, esta aclaración supera las dificultades doctrinales entonces se les presentará (2) una solución a la irregularidad canónica en donde aún se encuentran los obispos y sacerdotes de la FSSPX: un Ordinariato como el que les fue otorgado a los Anglicanos en Mayo, por medio del cual la FSSPX dependería directamente de la Santa Sede a través de la Comisión Ecclesia Dei. Este acuerdo le otorgaría a la FSSPX la capacidad de “retener sus características sin tener que dar cuentas a los obispos diocesanos”. Pero (3) dicho acuerdo no se da por cierto ya que “dentro de la FSSPX coexisten diferentes sensibilidades”.

De lo que sabemos públicamente acerca de las relaciones Vaticano-FSSPX, el pronóstico de Tornielli para la reunión del 14 de Septiembre es probable; pero cada uno de sus tres puntos principales merece ser comentado: 

Primeramente, en relación al abismo doctrinal entre el Vaticano de hoy en día y la FSSPX de Monseñor Lefebvre, no se puede decir que la “hermenéutica de la continuidad” de Benedicto XVI es una solución (ver CE 208-211). Si Tornielli está en lo cierto, será interesante (aunque no edificante) ver cómo Roma intenta nuevamente probar que 2 + 2 puede ser 4 ó 5, 5 ó 4. La doctrina Católica es tan rígida, acaso no siempre tan clara para los humanos, como 2 + 2 = 4. 

En segundo lugar, con respecto al acuerdo canónico suscitado por Tornielli, si -- inimaginablemente -- la FSSPX aceptase cualquier tipo de compromiso doctrinal, de ninguna manera podría entonces situarse debajo de la Santa Sede (2 + 2 = 4 ó 5) y aún “retener sus características” (basadas en que 2 + 2 = exclusivamente 4). El acuerdo práctico ejercería una presión constante y finalmente irresistible de hacer que la doctrina Católica no excluya mássino incluya el error, lo que sería igual a adoptar la ideología Francmasona y a abandonar la razón principal de existencia de la FSSPX del Arzobispo Lefebvre. 

Y en tercer lugar, Tornielli puede bien estar en lo cierto al decir que un acuerdo no es seguro, pero él y su “informante del Vaticano” están absolutamente equivocados si piensan que el problema es que existen “diferentes sensibilidades”. Las sensibilidades son subjetivas. El problema central entre el Vaticano y la FSSPX de Monseñor Lefevbre es tan objetivo como 2 + 2 = 4. En ningún momento en la historia, ya sea mirando hacia atrás o hacia adelante en la eternidad, en ningún planeta o estrella creada o por ser creada, podría 2 + 2 ser algo diferente que cuatro, exclusivamente.

¿Acaso no es esa la razón por la cual, cuando todos los esfuerzos tácticos de Mons. Lefebvre habían fracasado en las negociaciones de Mayo de 1988 para obtener del Cardenal Ratzinger un lugar seguro para la Fe dentro de la corriente oficial de la Iglesia, él dijo sus famosas palabras? -- “Su Eminencia, aún cuando usted nos diera todo lo que queremos, aún así tendríamos que rechazarlo porque nosotros estamos trabajando para cristianizar la sociedad, mientras que ustedes están trabajando para des-cristianizarla. La colaboración entre nosotros no es posible.”

Kyrie eleison.

Fonte: SPES
Texto enviado por um leitor

27 de setembro de 2011

Chaucer versus Stevenson


Chaucer versus Stevenson
 

Gilbert Keith Chesterton
The Illustrated London News, 8 de novembro de 1919

Nota inicial: Chesterton foi um dos críticos literários mais importantes das letras inglesas do início do século XX. Ele escreveu obras sobre Browning (1903), Dickens (1906 e 1911), Shaw (1909), Stevenson (1927), Chaucer (1932); escreveu também vários ensaios sobre a literatura vitoriana. Foi também um grande defensor da Idade Média, tendo escrito um livro sobre uma imaginária re-implantação dos valores e instituições medievais na Inglaterra vitoriana (A Volta de D. Quixote). As referências à Idade Média em suas obras são abundantes. Vislumbres de sua visão sobre esta época aparecem nas suas duas biografias mais famosas: a de São Francisco de Assis, de quem era devoto e a de Santo Tomás de Aquino. Vemos neste simples texto de jornal um gigante se levantando contra um minúsculo crítico, esmagando a pretensa e soberba crítica feita à Idade Média, crítica que se serviu de referências literárias muito caras a Chesterton. O grande escritor mostra que o crítico não conhece quem ele cita. Chesterton coloca as obras de Chaucer e Steveson na perspectiva escolhida pelo crítico e mostra o quanto os dois refletiam as visões de suas respectivas épocas e o quanto a época de Chaucer foi muito mais feliz e luminosa que a de Stevenson.


Algo que só pode ser considerado uma extraordinária explosão ocorreu no Daily News outro dia. Foi um protesto contra o crescente esclarecimento dos novos estudantes de História, que estão apresentando uma versão mais humana da Idade Média. O problema intitulou-se “Bons e Velhos Tempos” e começou com a denúncia do Deão da Catedral de São Paulo, Dr. Inge,[1] que dissera que as pessoas na era medieval foram provavelmente mais felizes ou alegres do que somos hoje. Alguns podem dizer que não seria difícil ser mais alegre que o Dr. Inge. Mas como considero que o Dr. Inge está errado em todo tipo de coisas, da Nova Teologia ao antigo ponto de vista oriental sobre o trabalho, divirto-me naturalmente quando ele está sendo especialmente caluniado por uma coisa sobre a qual ele está certo. O autor do artigo prossegue descrevendo suas impressões sobre a Idade Média, que são muito parecidas com as impressões de Catherine Morland[2] sobre “Os Mistérios de Udolpho”, cheios de gritos, correntes e escuridão. Ele diz que os trabalhadores eram servos; e invoca Stevenson para provar que os homens medievais estavam repletos de “um choroso medo da morte”. Finalmente, ele faz uma curiosa concessão, de que um solitário homem medieval pode ter sido feliz: “Miller, de Chaucer, pode ter sido feliz, mas, por outro lado, Miller era um bêbado.”

Este é seguramente o exemplo mais infeliz que o crítico poderia escolher para provar sua tese. Terá ele lido algo de Chaucer? Sustentará ele seriamente que todos em Chaucer são completamente miseráveis, exceto Miller? O Cavaleiro, o Cura, a Prioresa, para não dizer o Monge e a Esposa de Bath, eram todos completamente miseráveis, ou mesmo excepcionalmente miseráveis? Ou o Cavaleiro, o Cura e a Prioresa eram todos bêbados? São o Cozinheiro e o Capitão-de-mar mais sinistros em Stevenson? Fico feliz tanto em dizer que gastei muito tempo glorificando Stevenson, quanto em afirmar que não gastei tempo algum polemizando com o Dr. Inge. Sinto-me estranho tanto em opor-me àquele quanto em apoiar este. Mas como uma simples questão de fato histórico, parece-me muito claro que, se Stevenson realmente falou isto como uma crítica geral à Idade Média, Stevenson estava inteiramente errado. Sugerir que os homens medievais estavam enfraquecidos pelo medo da morte (em qualquer sentido não varonil) não é apenas inconsistente com os fatos sobre eles, mas é inconsistente com todas as outras acusações contra eles. O crítico que condena nossos infelizes pais fala, ao mesmo tempo, sobre luta e escravidão; geralmente expande esta crítica a uma visão de guerra universal; insiste que aqueles homens sangravam por estéreis votos de superstição e lutavam uns com os outros por fantásticas questões de etiqueta; zomba de seus esportes por terem sido rudes e perigosos, e de sua religião, por ter sido militante e repleta de mártires; reclama igualmente da frívola mortalidade das competições e da fanática mortalidade das cruzadas; e então ele resume tudo, num movimento de sublime consistência, dizendo que aqueles homens eram fracos que temiam a morte.

A verdade é que a alegria de Stevenson foi muito mais louvável que a alegria de Chaucer; precisamente porque Chaucer viveu num mundo muito mais alegre, e vinha de uma tradição muito mais alegre. Stevenson viveu num mundo mais mórbido, e vinha de uma tradição muito mais mórbida. Terá o crítico, que fala sobre as trevas da Idade Média, considerado seriamente pelo que os antepassados imediatos de Stevenson substituíram aquelas trevas? Deveremos nós dançar com prazer ante a emancipação que substituiu a triste figura da Prioresa pela alegre figura de Thrawn Janet?[3] Os Homens Felizes de Gordon Darnaway[4] eram mais felizes que os Homens Felizes de Robin Hood? Foi uma grande glória para Stevenson que ele não tenha sido esmagado pelo credo calvinista de seus antepassados, ou pela ausência de credo ainda mais vazia e fatalista de seus contemporâneos. Mas qualquer um com uma percepção de tais coisas sentirá que a sanidade de Stevenson foi uma luta; ao passo que em Chaucer a sanidade era um estado. A sanidade de Stevenson era realmente peculiar a Stevenson; sendo parcialmente uma esplêndida reação da sanidade moral contra a insanidade física. A sanidade de Chaucer era a sanidade da época de Chaucer. Pois a Idade Média, como tudo o mais, teve seus altos e baixos; e as coisas não iam tão bem quando os feitos de São Luis estavam sendo escritos como quanto quando eles estavam sendo realizados. Nosso severo crítico, contudo, não se perturba por nenhuma dessas sutis distinções; ele as denomina, com um abrangente sarcasmo, “Os Bons e Velhos Tempos”, e parece supor que admiramos tudo, de Vortingern[5] a Valois.[6] As idéias de Stevenson são, todavia, uma questão mais interessante; e penso ser óbvio que elas foram, neste caso, tão individuais quanto um pesadelo. A noção de Stevenson sobre o medievalismo é que era uma ilusão. Foi uma ilusão muito artística; porque ele era um grande artista. Mas lemos nela seu próprio puritanismo imaginativo, pois este era o único entusiasmo teológico que ele jamais conheceu. Ele iluminou os grandes edifícios góticos com uma espécie de luz infernal que luzia desde baixo, tal que as sombras eram caprichosas, mas falsas. Ele projetou um luar calvinista sobre as ruínas católicas.

O resto é mera questão de História; e ninguém tem de se meter a fim de impedir que a História seja aprimoradamente escrita. É tão falso descrever uma cidade medieval, e dizer que os trabalhadores eram servos, quanto dizer que os arautos eram padres, ou que os monges eram cavaleiros, ou que os arcos eram armas de fogo. Isto simplesmente não é factual; desconhece toda a história dos contratos, das guildas, do crescimento das cidades muradas; de metade dos mais formidáveis fatos da Idade Média. Havia servos na Idade Média; mas a servidão era simplesmente resquício do estado servil da antiguidade pagã. A peculiar realização do medievalismo não foi a servidão, mas a dissolução da servidão. Mas os artesãos das cooperativas não eram servos, em nenhum sentido ou por qualquer argumento. Eles eram sindicalistas comerciais, cujos sindicatos eram mais ricos, mais responsáveis, mais reconhecidos pelo Estado, e mais respeitados como contribuintes da cultura, do que são hoje nossos próprios sindicatos. Eles exigiam um bom pagamento, como fazem os nossos sindicatos; eles também exigiam um bom trabalho do artesão, o que os nossos sindicatos não conseguem fazer.

Esta saudável visão da idade das guildas não é romântica; é realista. A visão sombria de tal época é que é romântica. Um mundo contendo nada mais que caça às bruxas e barões maldosos seria um lugar ruim de se viver; mas ninguém nele viveu. Um mundo de guildas e camponeses gradualmente emancipados era um lugar, longe do perfeito, para se viver; tinha defeitos reais que podem ser discutidos de forma justa, incluindo seus méritos. Mas este era um mundo real; e será necessário mais que um grito tardio dos Bons e Velhos Tempos da rainha Vitória para impedir que uma nova geração considere aquele mundo real verdadeiramente interessante.


[1] William Ralph Inge (1860-1954) foi um prelado anglicano, deão da Catedral de São Paulo, em Londres, de 1911 a 1934. Seu pessimismo lhe valeu o título de “Deão Soturno”. (Nota da edição da Ignatius Press das obras escolhidas de Chesterton)
[2] Ingênua heroína de “Abadia de Northanger”, obra de Jane Austen, que gostava de romances góticos de terror, tal como “Os Mistérios de Udolpho”, de Ann Radcliffe. (Nota da edição da Ignatius Press das obras escolhidas de Chesterton)
[3] A Prioresa é a personagem mais vívida e amante da vida da obra Canterbury Tales, de Chaucer. Thrawn Janet é uma velha feia, com ares de bruxa, que dá título a um conto de Stevenson; possuída pelo demônio, ela se enforca. (Nota da edição da Ignatius Press das obras escolhidas de Chesterton)
[4] Ver The Merry Men and Other Tales, de Stevenson. (Nota da edição da Ignatius Press das obras escolhidas de Chesterton)
[5] Guerreiro do século V, líder dos antigos britânicos. (N. do T.)
[6] Casa real francesa, ramo da dinastia capetinga. Reinou na França do século XIV ao século XV (N. do T.)


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