Todas as atenções se voltam para o Império do Meio, cujo vertiginoso crescimento econômico não cessa de atrair exaltações hiperbólicas. Mas cresce também o poderio militar de um governo que além de não ter renunciado à ideologia marxista, ainda mantém a implacável repressão policialesca própria dos regimes comunistas. Assim, pode-se perguntar: é prudente aliar-se à China? Seu crescimento não corresponde a uma “bolha”? Não há o perigo de a civilização pagã subjugar a civilização ocidental e cristã? Vale a pena o Ocidente correr o risco de tal ameaça? A presente matéria mostra a face coruscante e a face obscura do “Tigre de Papel”.
José Antonio Ureta (fonte: IPCO)
A grave recessão que golpeia as grandes economias deixou as nações ocidentais mais endividadas, mais enfraquecidas e mais vulneráveis. As atenções voltam-se cada dia mais para os países emergentes — particularmente para a China — como a última tábua de salvação capaz de evitar uma nova Grande Depressão que teria consequências incalculáveis. Mas eis o preço a pagar: fechar os olhos para as violações dos direitos humanos naquele país asiático, permitir que ele se arme, e reconhecê-lo como “economia de mercado”, com as evidentes vantagens econômicas, políticas e militares para Pequim.
O “jogo vale a vela”? A China é capaz de assumir estavelmente a posição de locomotiva do crescimento econômico do mundo? A consequente hegemonia política contribuirá para a paz e a estabilidade universal ou, pelo contrário, aumentará o risco de desestabilização e conflito?
Para dar a uma resposta objetiva e matizada a tais indagações importa discernir sem preconceitos as luzes e sombras do quadro. É o que pretendemos fazer nestas linhas, como corresponde a uma revista de cultura católica. Tomaremos como bússola não os interesses deste ou daquele país, desta ou daquela área de civilização, deste ou daquele setor econômico ou corrente política, mas o supremo interesse das almas.
Uma geopolítica católica
O pranteado Papa Pio XII disse certa vez que “a Igreja é um fato histórico que, como uma possante cadeia de montanhas, percorre a história dos dois últimos milênios”.
Queira-se ou não, é em função de Nosso Senhor Jesus Cristo que a História se desenrola. Um de seus campos são os povos cuja cultura se pode dizer ainda cristã. Outro campo é o daqueles povos que não reconheceram ainda a divindade de Jesus Cristo e que aberta ou veladamente O combatem.
Jesus Cristo e seu Corpo Místico — a Santa Igreja Católica — são realmente a pedra de escândalo do passado e do presente. E é em função dessa pedra angular que o futuro se desenvolverá.
É por isso que os católicos de qualquer parte do mundo são levados a desejar, para as respectivas nações, prestígio cultural, força econômica, influência política (indissociável, neste vale de lágrimas, do poderio militar), de modo que o mandato de Nosso Senhor possa ser mais facilmente levado a cabo: “Ide e evangelizai todas as nações!”.
Foi precisamente o que se deu a partir da Idade Média, quando os povos cristãos passaram a ser os líderes do mundo. E continuaram a sê-lo mesmo após a Renascença, que marcou o início da decadência da Cristandade: quer sob o império da Casa d’Áustria, em cujas terras “o sol não se punha”, nos séculos XVI e XVII, quer sob a hegemonia política e cultural francesa, no século das Luzes. Nem a dominação inglesa no século XIX, nem o poderio dos Estados Unidos no século XX, alteraram essa constante. Nem mesmo o imenso polvo comunista sino-soviético, no auge da Guerra Fria, conseguiu tirar do Ocidente o cetro geopolítico do mundo.
Embora a civilização ocidental — em suas manifestações mais essenciais, mais profundas e mais características — seja hoje em dia neopagã, e seu neopaganismo seja, em certo sentido, mais radical que o dos orientais, ainda restam nela, borbulhantes e sob várias formas, inestimáveis valores cristãos tradicionais oriundos desta perpétua fonte de vida espiritual renovada que é a Santa Igreja Católica sediada em Roma. De sorte que erraria gravemente quem dissesse que a hegemonia cultural e política do Ocidente sobre o Oriente não trouxe e não trará ainda ao mundo imensos benefícios.
Nesse contexto, não é de estranhar que as forças do mal tenham como principal ponto de mira eliminar toda influência cristã no mundo, erradicando na medida do possível o cristianismo no Ocidente, enfraquecendo as nações outrora cristãs e transferindo, tanto quanto possível, o centro geopolítico para os países pagãos do Oriente.
A China e a meta de erradicar o cristianismo
A China é precisamente uma nação que, em sua imensa maioria, jamais foi cristã. Pior ainda, sobre seu velho tronco pagão inseriu-se o mais venenoso enxerto neopagão: o comunismo. Pois ela passou a ser dirigida com mão de ferro, a partir de 1949, pelo Partido Comunista Chinês. Este introduziu, por sua vez, nos últimos anos, novo enxerto igualmente venenoso e neopagão: o frenesi hiperprodutivista de algumas grandes companhias macrocapitalistas ocidentais. Ambos enxertos estão reduzindo à sua mínima expressão as simpáticas tradições que a China conservava de seu glorioso passado imperial.
De onde engrandecer a China hodierna às expensas do Ocidente é transferir gradualmente a preponderância do mundo do cristianismo para o do paganismo — a menos que, sob o influxo do Espírito Santo, que sopra onde quer, a expansão da Igreja Católica no antigo Império do Meio mude radicalmente o panorama… Mas essa aspiração parece bem longe de sua realização.
Uma vez que o cetro do mundo amarelo — e, em boa medida, de todo o orbe — está passando gradualmente para as mãos da China, cabe a pergunta: Qual será a configuração que tomará um mundo futuro sob a influência preponderante desta? Quais são os temores ou as esperanças que essa perspectiva abre em função do grande ideal de reconquista do mundo para Jesus Cristo?
Neste umbral do terceiro milênio, é principalmente a partir dessa visualização religiosa que a situação geopolítica do mundo e a fulgurante ascensão da China comunista no cenário mundial devem ser analisadas.
A China de hoje: a face coruscante da moeda
Os arranha-céus de Xangai levam-nos por vezes a esquecer que poucos anos atrás a China jazia na mais aviltante miséria, não tendo literalmente do que se alimentar. Foi esse o resultado do comunismo e, em particular, da sinistra Revolução Cultural empreendida por Mao Tsé-Tung em meados da década de 1960.
Se a China conseguiu desenvolver-se e alçar-se à atual condição de potência emergente foi graças ao concurso das empresas macrocapitalistas ocidentais que, em detrimento da economia e da mão-de-obra de seus respectivos países, fizeram investimentos colossais na China e deslocaram para lá quase toda a sua produção industrial.
Impulsionada por Deng Xiaoping, a China introduziu, de fato, a partir de 1978, elementos de economia de mercado, permitindo a entrada controlada do capital estrangeiro e criando, na sua faixa litorânea leste, as chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Nestas se instalaram as empresas de capital misto, que podem investir, com o apoio de cientistas europeus e norte-americanos, em ciência e novas tecnologias. Por outra parte, no setor agrícola, a responsabilidade sobre a produção, a propriedade dos meios de produção e as decisões foram transferidas das comunas e governos locais para os próprios agricultores.
Apenas 25 anos mais tarde, em 2003, os investimentos estrangeiros tinham passado de US$ 5 bilhões a US$ 60 bilhões, o PIB havia se multiplicado praticamente por sete, o ingresso per capita por cinco, e a produtividade da mão-de-obra por quatro. A parte da China no PIB mundial tinha passado, no mesmo período, de 5 a 15% (se calculada segundo a paridade de poder de compra).
O valor total do comércio exterior chinês elevou-se de 20,6 bilhões de dólares, em 1978, para 1,1548 trilhão de dólares em 2004, subindo do 38o lugar para o 3o lugar no ranking mundial. No ano retrasado ela superou a Alemanha como o maior exportador do mundo.
De 2004 até hoje, a China continuou a crescer a um ritmo anual médio de 9,65% e, em fevereiro deste ano, passou o Japão como segunda maior economia mundial.
Por causa de seu superávit comercial, a China acumulou imensas reservas de câmbio (4,21 trilhões de dólares, equivalentes a 30% das reservas mundiais). Na história moderna, nunca um só país concentrou tal quantidade de recursos financeiros. Seus fundos soberanos de investimento lhe servem de instrumento para uma ofensiva neocolonialista em todas as latitudes, particularmente na África e na América Latina, onde se encontram as matérias primas de que seu território carece.
Numa palavra, o Império do Meio transformou-se, aparentemente, na maior successful story da história econômica da humanidade.
O lado obscuro e perigoso da medalha: o “Tigre de Papel”
Porém, como frequentemente acontece, as aparências enganam…
1. O PIB por habitante
Ainda que o PIB chinês exibido pelas autoridades comunistas (e sujeito à caução!) chegasse um dia a equiparar-se ao dos Estados Unidos, há um detalhe geralmente esquecido: é que a China, no ranking mundial do PIB/habitante do Banco Mundial, situa-se atualmente no 100° lugar, entre Angola e Tunísia!
E no dia em que o tamanho da economia chinesa tiver alcançado a de seu rival americano (calcula-se que isso poderá dar-se por volta de 2050), seu PIB por habitante ainda representará uma magra quarta parte do PIB per capita americano ou canadense…
Isso quer dizer que, caso continue a crescer no ritmo atual por mais 40 anos, a China ainda será um país em desenvolvimento, no qual uns 50 milhões gozarão de um nível de vida ocidental, 350 milhões de um nível equivalente ao da Rússia de hoje, e um bilhão de pessoas ainda viverão na miséria negra deixada pelo socialismo.
2. As revoltas populares
É fácil imaginar o grau de descontentamento que emergirá dessa massa imensa, submersa na mais extrema pobreza, obrigada a emigrar para outras regiões e a conviver com o luxo ostentador de uma minoria de oportunistas e de membros da antiga Nomenklatura. Um estudo de acadêmicos da Universidade de Tianjin contou 90 mil episódios de revolta, incluindo distúrbios de rua e petições, somente no ano 2009. Segundo o maior especialista vaticano da China, o missionário Pe. Bernardo Cervellera, o número de revoltas sociais é de 180 mil por ano! Manter unido o conjunto do país implicará no reforço ainda maior do já implacável aparelho repressivo militar e policial.
3. A falta de criatividade e de iniciativa
A limitação do acesso à informação e à educação de um tal sistema repressivo acarretará a jugulação do capital intelectual e do espírito de empreendimento, que para florescer adequadamente requerem um clima de liberdade individual.
É essa falta de criatividade que obriga os dirigentes comunistas chineses a desenvolver descaradamente e em larga escala a espionagem industrial, a fim de copiar as descobertas e os modelos desenvolvidos alhures. E nem sequer conseguem copiar direito, como ficou comprovado nos recentes acidentes do trem de alta velocidade e do metrô de Xangai.
Num mundo globalizado e hiper-concorrencial, regido por aquilo que os economistas chamam de “inovações de ruptura”, que mudam os parâmetros de determinado setor da economia (é só pensar nos lançamentos da Apple quando estava sob o comando de Steve Jobs), a China não tem nenhuma possibilidade de ganhar a corrida; e limitar-se-á ao seu atual papel de gigantesco empreiteiro das multinacionais à procura de uma mão-de-obra barata. Ou da maior oficina de contrafação da Terra…
Recentemente tivemos o escândalo das falsas lojas da “Apple” e da “Ikea” (depósito de 10 mil metros quadrados), funcionando em Kunming, capital da província de Yunnan, no sudoeste da China. Alguns anos atrás houve o rumoroso caso da joint-venture entre a Embraer, produtora brasileira de aviões civis de alcance médio, e a estatal chinesa CAIC, a qual aproveitou a parceria para roubar a tecnologia brasileira, rompendo logo depois o contrato para desenvolver seus “próprios” aviões.
Essa falta de criatividade e iniciativa pesará cada vez mais sobre a economia chinesa.
4. O socialismo de Estado
Tanto mais quanto os setores mais importantes e lucrativos da economia estão reservados às empresas estatais, que se beneficiam de 80% dos empréstimos bancários. O resultado é que, enquanto apenas 150 empresas de dimensão nacional e 120 mil empresas regionais se aproveitam da parte do leão, quatro milhões de empresas privadas e algumas dezenas de milhões de pequenos negócios particulares, geralmente informais, devem lutar por migalhas. Segundo as estatísticas, essas 150 grandes empresas geram mais de 2/3 do PIB chinês e seus lucros correspondem à metade da riqueza nacional.
Apesar de muitas empresas estarem listadas na bolsa de valores, ou oficialmente privatizadas, o governo retém na realidade pelo menos a metade — até 2/3 — das ações e seus dirigentes são escolhidos pela Comissão de Supervisão e Administração do Patrimônio, após consulta ao Partido Comunista.
Não é de surpreender que 2/3 dos membros das diretorias e 3/4 dos executivos sejam dirigentes ou membros do Partido Comunista chinês, atualmente com 85 milhões de membros e uma lista de espera com 80 a 100 milhões de oportunistas. O atual primeiro-ministro Wen Jiabao gabou-se, ainda em 2008, de que “o Partido Comunista Chinês representa o povo e, portanto, a ditadura do proletariado é o melhor sistema do mundo”…
Como a China continua a funcionar na base de “planos quinquenais”, o esquálido setor privado é obrigado a agir no quadro estrito fixado por um partido ditatorial que considera o acesso ao desenvolvimento pela maioria da população como uma ameaça a seu poder.
Nenhum empresário pode desenvolver suas atividades sem se submeter inteiramente às ordens do partido único e sem corromper os funcionários do Estado e os quadros dirigentes do Partido. Além do mais, pelo sistema de leasing por 70 anos, nada na China pertence verdadeiramente aos particulares, nem a terra e nem sequer as casas.
5. A fuga de cérebros
O resultado desse clima é que os melhores empresários, aqueles que conseguiram sobreviver e enriquecer-se, estão investindo de modo maciço no exterior, para ali instalar suas famílias e conseguir um passaporte estrangeiro. Estados Unidos, Canadá e Austrália estão sendo seus destinos preferidos. Segundo um relatório conjunto do China Merchants Bank e da empresa norte-americana Bain & Co., de 20 mil chineses detentores de uma riqueza de pelo menos 15 milhões de dólares, 27% já emigraram e 47% estão pensando em fazê-lo. Somente no ano passado, 68 mil chineses conseguiram a invejada green card americana.
6. A “fratura geográfica”
A única solução para evitar essa contínua “fuga de cérebros” seria liberalizar o regime. Porém, isso provocaria outros problemas tanto ou mais graves, decorrentes dos abissais desequilíbrios regionais, sociais e étnicos existentes na imensa China. Com efeito, não só o antigo Império do Meio é vítima dos separatismos tibetano e uigur, como a própria identidade chinesa passa por uma grave crise, causada pela “fratura geográfica” existente entre as regiões costeiras desenvolvidas e o interior agrícola atrasado, ou ainda pelas lutas entre o poder central e os poderes locais, dominados por pequenos potentados.
7. A penúria energética e a poluição
Uma das questões que provocam fricções entre as regiões é o acesso aos recursos energéticos. Na China, não somente faltam a terra cultivável e a água, mas o próprio desenvolvimento tem acarretado uma dramática “penúria energética”. Segundo a Agência Internacional de Energia, em menos de uma década o consumo energético da China duplicou. Ela se tornou assim o maior consumidor do mundo, ultrapassando inclusive os Estados Unidos.
A China é o primeiro país produtor e consumidor de carvão (67% de sua energia é termoelétrica), desde que, em 1959, o Grande Salto multiplicou os pequenos fornos termoelétricos até nos vilarejos do interior. É o que explica o fato de o céu de quase todas as suas cidades — especialmente Pequim — serem cinza e não azul, e que 30% das chuvas ácidas que poluem o Japão venham da China…
Ademais, enquanto as minas de carvão situam-se no norte, 71% das indústrias consumidoras estão localizadas sobretudo no leste. É por isso que a metade do frete ferroviário é monopolizada pelo transporte de carvão. Por outro lado, os poços de petróleo e de gás encontram-se no noroeste, o que obriga à construção de longíssimos e enormes oleodutos e gasodutos.
Não é de estranhar que o número de acidentes do meio ambiente tenha aumentado exponencialmente nos últimos anos e que os rios da China sejam os mais poluídos do mundo.
Uma das soluções mais econômicas é a hidroeletricidade — de onde o interesse em controlar com mão de ferro o Tibet, do qual parte a maioria dos rios —, mas todas as barragens chinesas (incluída a gigantesca Três Gargantas) representam menos de 10% da produção atual.
8. O envelhecimento da população
Entretanto, o maior “calcanhar de Aquiles” da República Popular da China é o envelhecimento de sua população, fruto da irracional política do “filho único”, instituída pelo governo chinês em 1979. A taxa de fertilidade é estimada entre 1.5 e 1.8 crianças por mulher em idade reprodutiva, abaixo da taxa de 2.1, necessária para manter estável a população.
Eis as três consequências principais dessa política do “filho único”:
a) o desequilíbrio da proporção dos sexos no nascimento (principalmente devido ao aborto das meninas por nascer), que é atualmente de 120 meninos por cada 100 meninas, resultou na carência de 20 a 30 milhões de moças com as quais os rapazes pudessem se casar;
b) a transformação da pirâmide das idades, que colocará uma carga excessiva nos ombros da atual geração de jovens, os quais terão de arcar sozinhos com a manutenção de seus pais idosos. Em 2007, o número de chineses na idade de aposentar era de 144 milhões. Espera-se que em 2035 esse número será de 391 milhões (mais do dobro), enquanto o número de jovens vai diminuir. Essa diminuição já se nota nas escolas: em 1995 havia 25,3 milhões de novos alunos; em 2008, a cifra já tinha caído para 16,7 milhões; em 1990 havia na China mais de 750 mil escolas primárias; em 2008 elas tinham diminuído para perto de 300 mil, por causa da queda da natalidade;
c) o declínio da força laboral, que nos últimos dez anos já significou uma baixa de 14% do número de jovens trabalhadores de 20 a 29 anos de idade (a queda vai chegar a 20% nos próximos 20 anos). Dessa escassez de mão-de-obra resultará o aumento das exigências salariais dos novos trabalhadores.
9. A bolha imobiliária e a inflação
A essas gravíssimas fraquezas estruturais soma-se uma alarmante fraqueza conjuntural: a bolha imobiliária e o aumento da inflação.
Com efeito, a fim de manter um crescimento de dois dígitos apesar da crise financeira de 2008, o partido ordenava ao Banco Central facilitar o crédito e incitar os particulares a investir no setor imobiliário, de um lado, e de outro encorajava os potentados locais a desenvolver uma política de construção de infra-estruturas (grande parte delas inúteis).
Isso deu lugar à especulação no setor da construção e à formação de uma imensa bolha imobiliária: a participação do setor da construção no PIB subiu, nos últimos anos, para mais de 20%, fazendo com que os preços dos imóveis disparassem muito acima das possibilidades de aquisição de uma família da classe média (por isso há dezenas de milhões de apartamentos e casas desocupados). Para se ter um termo de comparação, no auge do boom do tijolo na Espanha e na Irlanda, a participação da construção no PIB foi, respectivamente, em torno de 11% e 9,4%; ou seja, a bolha da China é o dobro da espanhola e da irlandesa. O que acontecerá quando a bolha chinesa explodir? Basta considerar o que aconteceu na Espanha e na Irlanda…
Segundo os dados disponíveis, o endividamento interior é atualmente equivalente a 125% do PIB, estimando-se que a metade dessas dívidas são irrecuperáveis. Por isso, as agências de notação já começaram a rebaixar a nota dos bancos e das empresas públicas chinesas.
A inflação foi outro resultado dessa mesma abertura do crédito. Como as taxas de juros oferecidas pelos bancos para os depósitos são claramente inferiores ao aumento dos preços, os chineses são incitados a gastar o dinheiro rapidamente em bens que podem manter seu valor. Isso retro-alimenta a inflação. Nos últimos meses ela se situa acima de 6% ao ano, afetando, sobretudo, os setores que se referem à vida quotidiana: alimentação, alojamento, etc. As medidas de contenção têm alcançado resultados insignificantes e o controle dos preços de certos legumes apenas alimentou o mercado negro.
10. As novas exigências salariais
Em vista disso, e da diminuição da entrada de jovens no mercado de trabalho, os assalariados começaram a exigir das empresas aumentos significativos de seus salários. Não conseguindo absorver os gastos, as empresas são obrigadas a repercutir nos preços. Isso leva os assalariados a reclamar novo aumento, etc., conduzindo a uma “espiral preços-salários” que encarecerá os produtos chineses no mercado exterior. Ou seja, precisamente na contramão daquilo que tem sido a base do “milagre chinês”: a mão-de-obra barata e as exportações a baixo custo.
* * *
Tudo somado, o crescimento desequilibrado da China, por mais espetacular que tenha sido nas últimas décadas, pode não passar de um espelhismo passageiro.
Nesse caso, voltar-se-ia contra a China o apelativo que Mao Tsé-Tung atribuiu aos Estados Unidos: um “tigre de papel“.
China: grande responsável pela ruína financeira do Ocidente
Em seu curto período de glória, esse “tigre de papel” teria, entretanto, conseguido provocar a crise econômica em que hoje se debatem a Europa e os Estados Unidos.
O mecanismo foi revelado recentemente, nas páginas do jornal francês “Le Monde”, por Antoine Brunet, co-autor do livro La Visée hégémonique de la Chine (L’Harmattann, 2011).
Brunet explica que, mercê do controle draconiano das divisas, a China mantém o yuan a US$ 0,15 e a 0,11 euros, quando o mesmo deveria valer 0,25 dólares e 0,21 euros, segundo o FMI e a ONU. Ao admitirem a China na Organização Mundial do Comércio, os países ocidentais renunciaram às represálias aduaneiras, única arma que poderia ter forçado os dirigentes chineses a reajustar sua moeda.
Resultou daí uma imensa desindustrialização do Ocidente (as empresas transferiram suas fábricas para a China), acompanhada de uma intensa industrialização desta última, a qual se apoderou dos mercados. O comércio exterior ocidental passou a ser fortemente deficitário, diminuindo ao mesmo tempo o investimento interno, enquanto suas economias ficavam expostas a sofrer uma recessão prolongada de natureza estrutural, ocasionada pela manipulação do yuan.
Em vez de enfrentar a China, a solução encontrada por Alan Greenspan (ex-presidente do banco central americano) e por seus colegas europeus foi a de favorecer uma política de juros baixos, para desencorajar a poupança das famílias e incitá-las à compra a crédito de moradias e outros bens de consumo. Durante quatro anos, o PIB e o emprego nos países ocidentais foram puxados para cima por um setor imobiliário eufórico, o qual levou a excessos e a um terrível efeito boomerang: uma tríplice crise, imobiliária, bancária e bursátil, a recessão e uma explosão do desemprego. Um fiasco absoluto.
Em fins de 2008, ao invés de forçar a China a revalorizar o yuan — que, desde o início, teria sido a única solução verdadeira para relançar o comércio exterior, o PIB e o emprego nos países ocidentais —, os aprendizes de feiticeiro da economia ocidental optaram por uma política de estímulo orçamentário, junto à manutenção de baixas taxas de juro a curto e longo prazo.
Apesar dessa estratégia keynesiana, a retomada do crescimento foi modesta e de curto prazo; em todo caso, incapaz de absorver os gigantescos déficits provocados pelos planos de estímulo, fazendo assim explodir a dívida pública. A subsequente suspeita dos investidores quanto à capacidade dos países mais frágeis em honrar seus compromissos (Grécia, Portugal, Irlanda, etc.) causou a disparada dos juros exigidos pelo mercado para os respectivos títulos da dívida pública, levando esses países à beira da falência. Um novo fiasco absoluto que ameaça fazer explodir a zona do euro e a própria União Europeia.
Quem é o responsável? — A covardia do Ocidente diante da China. Porque: 1) foi o pacifismo monetário diante da manipulação da moeda chinesa que desestabilizou as economias ocidentais em todos os planos (comercial, econômico, social, tecnológico, etc.); 2) as políticas compensatórias foram um fracasso e só agravaram ainda mais a desestabilização; 3) a única solução estrutural teria sido obrigar a China a revalorizar o yuan mediante represálias aduaneiras coletivas.
Os Estados Unidos e a Europa terão a coragem de fazê-lo, sabendo que os conflitos comerciais são muitas vezes o prefácio de conflitos diplomáticos e até militares?
Isso levanta a delicada questão da escalada militarista da China.
A maior ameaça chinesa: seu crescente poderio militar
Favorecidos pelo reconhecimento diplomático de Pequim como único e legítimo representante de toda a China, com cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, os dirigentes comunistas chineses servem-se da tendência independentista de Taiwan como pretexto para uma escalada armamentista.
Realmente, com governo próprio e independência de fato sobre a ilha desde o fim da guerra civil chinesa em 1949, Taiwan é reconhecida como Estado independente por menos de vinte nações secundárias. E Pequim ameaça com o uso da força se Taiwan declarar formalmente a sua independência, oferecendo em troca a fórmula “uma nação, dois sistemas” que vigora em Hong-Kong.
A escalada armamentista, porém, vai muito além do necessário para meter medo, e eventualmente enfrentar Taiwan, levando analistas americanos e europeus a suspeitar que a China tem interesses geoestratégico e militares mais amplos.
1. Os interesses econômicos e ideológico-estratégicos preponderantes
Tais interesses são, ao mesmo tempo, ideológico-estratégicos e econômicos.
Do ponto de vista econômico, os escassos recursos naturais da China obrigam-na a assegurar a alimentação de uma população que aumenta cada dia seu padrão de consumo nas cidades costeiras. Ademais, o modelo de desenvolvimento chinês, baseado nas exportações, induz seus dirigentes a assegurar o acesso a fontes seguras das matérias primas necessárias para suas atividades de manufaturação. Daí, por exemplo, sua crescente aproximação com o Paquistão, com o qual está construindo uma parceria (11 mil soldados chineses estão estacionados na região de Gilgit-Balistan para ajudar o Paquistão a combater a rebelião autonomista dos habitantes) com vistas a construir um corredor viário e ferroviário que lhe dê acesso direto ao imenso porto de Gwadar, na boca do Golfo Pérsico, recentemente financiado e construído pela China.
Do ponto de vista ideológico-estratégico, a China procura consolidar uma coalizão internacional de países emergentes que, com o propósito de defender seus próprios interesses, no final das contas acabam embarcando volens nolens numa espécie de luta Sul x Norte, versão atualizada da velha luta de classes marxista.
Isso explica a aproximação da China com os regimes ditatoriais de Cuba e da Venezuela chavista, bem como com os seus parceiros populistas do Equador, Bolívia e, mais recentemente, Peru.
Além de exportações militares — a compra de 40 aviões K-8 (Karakorum) pela Venezuela e seis pela Bolívia, e o equipamento da força aérea chavista com um centro de controle e comando empregando radares JYL-1, também adquiridos pelo Equador —, o Exército de Libertação Popular da China utiliza as instituições de sua Universidade da Defesa Nacional (em Nanjing e Changping, perto de Pequim) para estreitar laços com oficiais dos exércitos latino-americanos, oferecendo a estes últimos cursos em espanhol e inglês. Com o mesmo objetivo, o ELP participa, desde 2004, na força internacional da ONU no Haiti e desenvolveu exercícios de assistência humanitária no Peru.
2. A doutrina hegemônica do Dragão Vermelho
Com vistas a atingir esses objetivos político-estratégicos e econômicos, os geoestrategistas do Exército de Libertação Popular falam de uma nova “fronteira de interesses” da República Popular da China, sugerindo que o exército chinês não deve proteger apenas seu vasto território, mas igualmente seus interesses econômicos muito além de suas fronteiras (por exemplo, as companhias petrolíferas e mineiras operando em regiões vulneráveis da floresta amazônica).
Daí a necessidade, segundo os estrategistas chineses, de preparar as forças armadas não apenas para uma ação defensiva, mas, sobretudo, como uma “força de dissuasão” capaz de uma “defesa ativa em profundidade” (ou seja, de uma intervenção distante). Em 2006, Wu Shengli, comandante-em-chefe da Marinha de Guerra chinesa, exigiu “uma marinha poderosa para proteger a pesca, a prospecção de matérias primas e as rotas estratégicas da energia”.
Em 2010, o diretor do Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Militar na Universidade Chinesa de Defesa Nacional, coronel Liu Mingfu, publicou um livro intitulado A Chinese Dream: Big-Power Thinking and Strategic Positioning in a Post-American Era [Um sonho chinês: Grande capacidade de pensar e posicionamento estratégico numa era pós-americana], no qual sustenta, parafraseando Clemenceau, que “o mundo é importante demais para ser deixado nas mãos dos Estados Unidos”. Por isso, diz o coronel, a “China deve salvar a si própria e ao mundo” e preparar-se para ser a “timoneira do mundo”, uma vez que “possui o gene cultural superior requerido para transformar-se em líder mundial”.
Interrogados pelo site do Global Times, jornal oficial do Partido Comunista, a respeito das conclusões do livro do coronel Mingfu, 80% dos internautas chineses responderam positivamente à pergunta: “Você pensa que a China deve procurar transformar-se no primeiro país do mundo e no poder militar dominante?”.
Essa nova tendência belicista ficou demonstrada em 2001, quando a aviação chinesa forçou um EP-3 – avião norte-americano de reconhecimento – a aterrissar na ilha de Hainan, desmembrando depois o aparelho e aprisionando seus tripulantes por longo tempo.
3. O poderio convencional e atômico do Exército Nacional de Libertação
A China já possui, de fato, o maior contingente de tropas do mundo, e ainda assim dobrou seu orçamento militar, numa corrida para dotar suas forças de armamentos sempre mais sofisticados, corrida esta não limitada às armas convencionais.
Na última década, o Estado comunista chinês aumentou o número e a quantidade das ogivas de seu arsenal atômico e dos mísseis capazes de atingir alvos distantes.
Um recente relatório do Pentágono reconheceu que o Exército Nacional de Libertação “está fechando rapidamente a distância tecnológica com as forças armadas modernas”. Por exemplo, Chen Hu, principal colunista militar da agência estatal Xinhua e editor da revista “World Military Affairs”, sustenta que os caças J-10 e J-11 já são superiores à última versão do F16 americano e que é esta a razão pela qual o governo Obama se recusou a fornecer a referida versão aos seus aliados chineses nacionalistas de Taiwan.
O mesmo relatório revela a existência, na China central, de instalações subterrâneas profundas, conectadas por três mil milhas de túneis, usadas para armazenar e esconder ogivas e mísseis, bem como para abrigar centros de comando resistentes a ataques nucleares.
No seu recente livro A Contest for Supremacy [Uma disputa pela supremacia], o Prof. Aaron L. Friedberg, da Universidade de Princeton, explica como a China representa uma séria ameaça para o futuro da paz: “A faixa de alcance, precisão e quantidade de mísseis cruzeiros e de mísseis balísticos de meio-alcance no arsenal da China dar-lhe-ão daqui a pouco a opção de atacar todas as bases americanas e aliadas na região [do Pacífico Ocidental] com ogivas que podem abrir crateras em pistas de pouso, esmagar abrigos para aviões e acabar com portos, plantas elétricas e redes de comunicação”, informa o autor.
Baseados na teoria dos “conflitos assimétricos” da guerrilha maoísta (segundo a qual uma ameaça mortal não provém necessariamente de um poder militar equivalente; por exemplo, o ataque às torres gêmeas…), o Exército de Libertação Popular tem empregado grande parte de seus recursos em domínios que lhe dão uma vantagem assimétrica, como a guerra eletrônica e a espionagem.
Outro fator de superioridade das tropas chinesas é seu fanatismo, resultado de um doutrinamento político contínuo feito pelos Comissários do Povo. Estes exploram o orgulho nacional apresentando a China como um país do Terceiro-Mundo, vítima do caráter predatório do imperialismo e do colonialismo ocidentais.
Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA no governo de George Bush, confessou candidamente, numa recente conferência no Canadá: “A única coisa que realmente me preocupa, a respeito da China, é que eu não entendo as relações entre a liderança política — os dirigentes do Partido Comunista — e o Exército de Libertação Popular. Eu não sei qual é a influência do ELP ou quem é que é realmente o responsável. É uma espécie de mistério para mim”.
Igual ingenuidade parece prevalecer entre os líderes ocidentais a respeito da notória aproximação entre Moscou e Pequim.
4. A convergência estratégica entre a China e a Rússia
De fato os interesses da China e da Rússia não são divergentes, mas convergentes, pelo menos a curto e médio prazo, apesar do que dizem a maioria dos líderes ocidentais baseados em alguns analistas otimistas.
Num estudo publicado em 2006 pelo Norsk Utenrikspolitisk Institutt, de Oslo, de autoria de Kyrre Brækhus e Indra Øverland, tal convergência é posta em realce sob o expressivo título: A Match made in Heaven? [Um casal de sonho?]. Para os autores, essa convergência geoestratégica resulta tanto de interesses materiais comuns quanto da consonância de valores e de ideologia.
Do ponto de vista material, a Rússia é o fiel da balança no jogo de poder entre o Japão e a China pela preeminência na Ásia. E isso porque as duas potências amarelas carecem de matérias primas, especialmente as energéticas, que devem ser trazidas de longe através de rotas estratégicas de alto risco, enquanto podem pegá-las de modo mais seguro e com custos de transporte mais baratos no território russo, que as possui com fartura.
É sintomático o caso do oleoduto para levar o petróleo da Sibéria ocidental para o Extremo Oriente, cujo traçado era asperamente disputado entre o Japão e a China.
Até 2004, parecia que o Japão estava levando a melhor e que o terminal oriental do oleoduto seria situado na baía de Nakhodka, na Sibéria, de onde seguiria depois para o Japão. Em vez disso, em 2005, o governo russo preferiu um traçado alternativo que levará o petróleo primeiramente até Skovorodino, nas proximidades da cidade chinesa de Daqing. Com um empréstimo de 25 bilhões de dólares para a sua construção, o oleoduto começou a operar em 1° de janeiro de 2011 e proverá a China com 300 mil barris-dia durante 20 anos, existindo já um plano para desenvolver um gasoduto paralelo.
A Rússia também pode prover as empresas chinesas com minérios estratégicos dos quais as empresas russas são os primeiros produtores mundiais, como alumínio, níquel, titânio e paládio. Tais empresas também estão entre os vanguardistas na produção de outros minérios, como platino (2° produtor), magnésio (3°), vanadio (4°), cobalto e ouro (5°), cobre (6°); sem contar suas reservas de carvão, sobrepujadas apenas pelas dos Estados Unidos.
A crescente competitividade da China não representa uma ameaça para a Rússia porque a indústria de manufaturados desta é muito pequena e, pelo contrário, seus consumidores podem aproveitar-se de produtos chineses baratos sem que tais importações desequilibrem sua largamente excedente balança comercial (decorrente da venda de petróleo). Aliás, ambas nações se reconheceram mutuamente como “economias de mercado” (sic!) e já tinham concluído, em outubro de 2004, negociações sob a égide da Organização Mundial do Comércio.
Outro domínio de convergência entre os dois países é o militar. A Rússia tem sido o principal provedor de armamento da China desde o fim da Guerra Fria (90% das compras de armas entre 1991 e 2004, segundo um relatório do Pentágono), incluindo submarinos, destróieres, caça-bombardeiros, mísseis e aviões estratégicos de reconhecimento. Igualmente, a Rússia tem fornecido assistência técnica ao programa espacial chinês.
Por estarem dotadas de grandes exércitos e grandes arsenais convencionais e atômicos, as chances de uma invadir a outra são muito baixas. De outro lado, ambas carecem de aliados de peso e por isso têm expandido a cooperação militar, principalmente no campo da inteligência militar.
Do ponto de vista ideológico, ambos regimes reprimem de modo inclemente suas minorias étnicas rebeldes, em particular as islâmicas (Chechênia, na Rússia, e Uigur, na China), e reprimem a oposição interna com idêntica desconsideração dos direitos humanos, apoiando-se mutuamente diante dos organismos internacionais e da opinião pública mundial.
As suas diplomacias convergem em muitos cenários de conflito, como o do fim das sanções ao Irã (o qual é parceiro da Rússia e da China), ou no Oriente Médio e na África. Sobretudo, têm interesses convergentes na rivalidade comum com os Estados Unidos, lembrando o velho ditado segundo o qual “dois inimigos de um terceiro são amigos entre si”.
Por todas essas razões, a convergência estratégica entre a Rússia e a China é uma tendência que ainda ganhará força em curto e médio prazo, e somente poderá passar por fricções de longo prazo no tocante à Sibéria, onde há uma clara pressão demográfica chinesa.
Prevalecerá por enquanto o dito por Dimitri Medvedev em 2008, durante uma visita a Pequim, de que o objetivo de sua viagem era confirmar “a convicção da Rússia de que a China é um aliado geopolítico sério no desafio ao Ocidente”.
Desafio ao Ocidente…
A declaração do presidente-títere Medvedev nos remete ao início deste artigo. Pelo fato de o Ocidente ter desenvolvido a mais alta expressão histórica da civilização cristã; por abrigar em seu seio Roma, a capital da Cristandade; por ainda guardar os mais admiráveis e valiosos tesouros do seu passado cristão; pelo fato de a fé ainda estar viva em países como a Polônia, a Irlanda e Malta, ou nas nações emergentes da América Latina; por tudo isso, as forças do mal trabalham para o seu declínio, em favor do Oriente pagão.
Isso deve nos levar, a nós católicos, a olhar com muita vigilância a escalada geopolítica da China, e a eventual constituição, em torno desta, de um grande bloco anti-ocidental.
A mão estendida do Ocidente aos chineses autênticos
Isso de nenhuma maneira significa que o povo chinês seja nosso inimigo. Muito pelo contrário.
No começo destas linhas, afirmávamos que Nosso Senhor Jesus Cristo e a Igreja são o centro da História, a qual continua a ser atravessada apenas por dois campos: o dos povos cuja cultura se pode dizer ainda cristã, e o dos povos que ainda não aceitaram Jesus Cristo. Embora clara, simples, lógica e conforme evidentemente aos fatos, esta divisão precisa ser vista com certa ductilidade de espírito. Porque existe, em ambos os lados, uma profunda divisão.
Em nosso Ocidente – cheio de tanta luz e de tanta glória, decorrentes de seu esplendoroso passado cristão – entretanto quanta miséria! Apostasia da fé, indiferentismo religioso, relativismo, imoralidade, às vezes mais odiosos do que o paganismo asiático ou africano.
Enquanto isso, nos países da antiga gentilidade, vicejam núcleos crescentes de católicos, que constituem no seu conjunto uma verdadeira primavera da fé.
Por isso, atrás da cortina policialesca de bambu que ainda cerca a China, há riquezas de alma que não se deixaram absorver nem pelo comunismo nem pela atual hiper-produtividade induzida, e que marcham em sentido oposto ao das falsas elites do país. O melhor da China é representado pelos 4% de cristãos e, em particular, pelo 1% de católicos (14 milhões). Mas estes últimos estão às voltas com a sinistra estratégia de divisão promovida pelo Partido Comunista através da cismática Igreja Patriótica sob as ordens de Pequim.
Perseguidos implacavelmente pelo regime por causa de sua fidelidade inquebrantável a Roma e à jurisdição universal do Sucessor de Pedro, esses milhões de verdadeiros católicos da Igreja subterrânea constituem a grande promessa do imenso povo chinês.
Se eles permanecerem fiéis e o “dragão de papel” – pelo peso de seu próprio crescimento desequilibrado e de suas pretensões hegemônicas – acabar ruindo como um colosso de barro, 38
Todas as atenções se voltam para o Império do Meio, cujo vertiginoso crescimento econômico não cessa de atrair exaltações hiperbólicas. Mas cresce também o poderio militar de um governo que além de não ter renunciado à ideologia marxista, ainda mantém a implacável repressão policialesca própria dos regimes comunistas. Assim, pode-se perguntar: é prudente aliar-se à China? Seu crescimento não corresponde a uma “bolha”? Não há o perigo de a civilização pagã subjugar a civilização ocidental e cristã? Vale a pena o Ocidente correr o risco de tal ameaça? A presente matéria mostra a face coruscante e a face obscura do “Tigre de Papel”.
José Antonio Ureta
A grave recessão que golpeia as grandes economias deixou as nações ocidentais mais endividadas, mais enfraquecidas e mais vulneráveis. As atenções voltam-se cada dia mais para os países emergentes — particularmente para a China — como a última tábua de salvação capaz de evitar uma nova Grande Depressão que teria consequências incalculáveis. Mas eis o preço a pagar: fechar os olhos para as violações dos direitos humanos naquele país asiático, permitir que ele se arme, e reconhecê-lo como “economia de mercado”, com as evidentes vantagens econômicas, políticas e militares para Pequim.
O “jogo vale a vela”? A China é capaz de assumir estavelmente a posição de locomotiva do crescimento econômico do mundo? A consequente hegemonia política contribuirá para a paz e a estabilidade universal ou, pelo contrário, aumentará o risco de desestabilização e conflito?
Para dar a uma resposta objetiva e matizada a tais indagações importa discernir sem preconceitos as luzes e sombras do quadro. É o que pretendemos fazer nestas linhas, como corresponde a uma revista de cultura católica. Tomaremos como bússola não os interesses deste ou daquele país, desta ou daquela área de civilização, deste ou daquele setor econômico ou corrente política, mas o supremo interesse das almas.
Uma geopolítica católica
O pranteado Papa Pio XII disse certa vez que “a Igreja é um fato histórico que, como uma possante cadeia de montanhas, percorre a história dos dois últimos milênios”.
Queira-se ou não, é em função de Nosso Senhor Jesus Cristo que a História se desenrola. Um de seus campos são os povos cuja cultura se pode dizer ainda cristã. Outro campo é o daqueles povos que não reconheceram ainda a divindade de Jesus Cristo e que aberta ou veladamente O combatem.
Jesus Cristo e seu Corpo Místico — a Santa Igreja Católica — são realmente a pedra de escândalo do passado e do presente. E é em função dessa pedra angular que o futuro se desenvolverá.
É por isso que os católicos de qualquer parte do mundo são levados a desejar, para as respectivas nações, prestígio cultural, força econômica, influência política (indissociável, neste vale de lágrimas, do poderio militar), de modo que o mandato de Nosso Senhor possa ser mais facilmente levado a cabo: “Ide e evangelizai todas as nações!”.
Foi precisamente o que se deu a partir da Idade Média, quando os povos cristãos passaram a ser os líderes do mundo. E continuaram a sê-lo mesmo após a Renascença, que marcou o início da decadência da Cristandade: quer sob o império da Casa d’Áustria, em cujas terras “o sol não se punha”, nos séculos XVI e XVII, quer sob a hegemonia política e cultural francesa, no século das Luzes. Nem a dominação inglesa no século XIX, nem o poderio dos Estados Unidos no século XX, alteraram essa constante. Nem mesmo o imenso polvo comunista sino-soviético, no auge da Guerra Fria, conseguiu tirar do Ocidente o cetro geopolítico do mundo.
Embora a civilização ocidental — em suas manifestações mais essenciais, mais profundas e mais características — seja hoje em dia neopagã, e seu neopaganismo seja, em certo sentido, mais radical que o dos orientais, ainda restam nela, borbulhantes e sob várias formas, inestimáveis valores cristãos tradicionais oriundos desta perpétua fonte de vida espiritual renovada que é a Santa Igreja Católica sediada em Roma. De sorte que erraria gravemente quem dissesse que a hegemonia cultural e política do Ocidente sobre o Oriente não trouxe e não trará ainda ao mundo imensos benefícios.
Nesse contexto, não é de estranhar que as forças do mal tenham como principal ponto de mira eliminar toda influência cristã no mundo, erradicando na medida do possível o cristianismo no Ocidente, enfraquecendo as nações outrora cristãs e transferindo, tanto quanto possível, o centro geopolítico para os países pagãos do Oriente.
A China e a meta de erradicar o cristianismo
A China é precisamente uma nação que, em sua imensa maioria, jamais foi cristã. Pior ainda, sobre seu velho tronco pagão inseriu-se o mais venenoso enxerto neopagão: o comunismo. Pois ela passou a ser dirigida com mão de ferro, a partir de 1949, pelo Partido Comunista Chinês. Este introduziu, por sua vez, nos últimos anos, novo enxerto igualmente venenoso e neopagão: o frenesi hiperprodutivista de algumas grandes companhias macrocapitalistas ocidentais. Ambos enxertos estão reduzindo à sua mínima expressão as simpáticas tradições que a China conservava de seu glorioso passado imperial.
De onde engrandecer a China hodierna às expensas do Ocidente é transferir gradualmente a preponderância do mundo do cristianismo para o do paganismo — a menos que, sob o influxo do Espírito Santo, que sopra onde quer, a expansão da Igreja Católica no antigo Império do Meio mude radicalmente o panorama… Mas essa aspiração parece bem longe de sua realização.
Uma vez que o cetro do mundo amarelo — e, em boa medida, de todo o orbe — está passando gradualmente para as mãos da China, cabe a pergunta: Qual será a configuração que tomará um mundo futuro sob a influência preponderante desta? Quais são os temores ou as esperanças que essa perspectiva abre em função do grande ideal de reconquista do mundo para Jesus Cristo?
Neste umbral do terceiro milênio, é principalmente a partir dessa visualização religiosa que a situação geopolítica do mundo e a fulgurante ascensão da China comunista no cenário mundial devem ser analisadas.
A China de hoje: a face coruscante da moeda
Os arranha-céus de Xangai levam-nos por vezes a esquecer que poucos anos atrás a China jazia na mais aviltante miséria, não tendo literalmente do que se alimentar. Foi esse o resultado do comunismo e, em particular, da sinistra Revolução Cultural empreendida por Mao Tsé-Tung em meados da década de 1960.
Se a China conseguiu desenvolver-se e alçar-se à atual condição de potência emergente foi graças ao concurso das empresas macrocapitalistas ocidentais que, em detrimento da economia e da mão-de-obra de seus respectivos países, fizeram investimentos colossais na China e deslocaram para lá quase toda a sua produção industrial.
Impulsionada por Deng Xiaoping, a China introduziu, de fato, a partir de 1978, elementos de economia de mercado, permitindo a entrada controlada do capital estrangeiro e criando, na sua faixa litorânea leste, as chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Nestas se instalaram as empresas de capital misto, que podem investir, com o apoio de cientistas europeus e norte-americanos, em ciência e novas tecnologias. Por outra parte, no setor agrícola, a responsabilidade sobre a produção, a propriedade dos meios de produção e as decisões foram transferidas das comunas e governos locais para os próprios agricultores.
Apenas 25 anos mais tarde, em 2003, os investimentos estrangeiros tinham passado de US$ 5 bilhões a US$ 60 bilhões, o PIB havia se multiplicado praticamente por sete, o ingresso per capita por cinco, e a produtividade da mão-de-obra por quatro. A parte da China no PIB mundial tinha passado, no mesmo período, de 5 a 15% (se calculada segundo a paridade de poder de compra).
O valor total do comércio exterior chinês elevou-se de 20,6 bilhões de dólares, em 1978, para 1,1548 trilhão de dólares em 2004, subindo do 38o lugar para o 3o lugar no ranking mundial. No ano retrasado ela superou a Alemanha como o maior exportador do mundo.
De 2004 até hoje, a China continuou a crescer a um ritmo anual médio de 9,65% e, em fevereiro deste ano, passou o Japão como segunda maior economia mundial.
Por causa de seu superávit comercial, a China acumulou imensas reservas de câmbio (4,21 trilhões de dólares, equivalentes a 30% das reservas mundiais). Na história moderna, nunca um só país concentrou tal quantidade de recursos financeiros. Seus fundos soberanos de investimento lhe servem de instrumento para uma ofensiva neocolonialista em todas as latitudes, particularmente na África e na América Latina, onde se encontram as matérias primas de que seu território carece.
Numa palavra, o Império do Meio transformou-se, aparentemente, na maior successful story da história econômica da humanidade.
O lado obscuro e perigoso da medalha: o “Tigre de Papel”
Porém, como frequentemente acontece, as aparências enganam…
1. O PIB por habitante
Ainda que o PIB chinês exibido pelas autoridades comunistas (e sujeito à caução!) chegasse um dia a equiparar-se ao dos Estados Unidos, há um detalhe geralmente esquecido: é que a China, no ranking mundial do PIB/habitante do Banco Mundial, situa-se atualmente no 100° lugar, entre Angola e Tunísia!
E no dia em que o tamanho da economia chinesa tiver alcançado a de seu rival americano (calcula-se que isso poderá dar-se por volta de 2050), seu PIB por habitante ainda representará uma magra quarta parte do PIB per capita americano ou canadense…
Isso quer dizer que, caso continue a crescer no ritmo atual por mais 40 anos, a China ainda será um país em desenvolvimento, no qual uns 50 milhões gozarão de um nível de vida ocidental, 350 milhões de um nível equivalente ao da Rússia de hoje, e um bilhão de pessoas ainda viverão na miséria negra deixada pelo socialismo.
2. As revoltas populares
É fácil imaginar o grau de descontentamento que emergirá dessa massa imensa, submersa na mais extrema pobreza, obrigada a emigrar para outras regiões e a conviver com o luxo ostentador de uma minoria de oportunistas e de membros da antiga Nomenklatura. Um estudo de acadêmicos da Universidade de Tianjin contou 90 mil episódios de revolta, incluindo distúrbios de rua e petições, somente no ano 2009. Segundo o maior especialista vaticano da China, o missionário Pe. Bernardo Cervellera, o número de revoltas sociais é de 180 mil por ano! Manter unido o conjunto do país implicará no reforço ainda maior do já implacável aparelho repressivo militar e policial.
3. A falta de criatividade e de iniciativa
A limitação do acesso à informação e à educação de um tal sistema repressivo acarretará a jugulação do capital intelectual e do espírito de empreendimento, que para florescer adequadamente requerem um clima de liberdade individual.
É essa falta de criatividade que obriga os dirigentes comunistas chineses a desenvolver descaradamente e em larga escala a espionagem industrial, a fim de copiar as descobertas e os modelos desenvolvidos alhures. E nem sequer conseguem copiar direito, como ficou comprovado nos recentes acidentes do trem de alta velocidade e do metrô de Xangai.
Num mundo globalizado e hiper-concorrencial, regido por aquilo que os economistas chamam de “inovações de ruptura”, que mudam os parâmetros de determinado setor da economia (é só pensar nos lançamentos da Apple quando estava sob o comando de Steve Jobs), a China não tem nenhuma possibilidade de ganhar a corrida; e limitar-se-á ao seu atual papel de gigantesco empreiteiro das multinacionais à procura de uma mão-de-obra barata. Ou da maior oficina de contrafação da Terra…
Recentemente tivemos o escândalo das falsas lojas da “Apple” e da “Ikea” (depósito de 10 mil metros quadrados), funcionando em Kunming, capital da província de Yunnan, no sudoeste da China. Alguns anos atrás houve o rumoroso caso da joint-venture entre a Embraer, produtora brasileira de aviões civis de alcance médio, e a estatal chinesa CAIC, a qual aproveitou a parceria para roubar a tecnologia brasileira, rompendo logo depois o contrato para desenvolver seus “próprios” aviões.
Essa falta de criatividade e iniciativa pesará cada vez mais sobre a economia chinesa.
4. O socialismo de Estado
Tanto mais quanto os setores mais importantes e lucrativos da economia estão reservados às empresas estatais, que se beneficiam de 80% dos empréstimos bancários. O resultado é que, enquanto apenas 150 empresas de dimensão nacional e 120 mil empresas regionais se aproveitam da parte do leão, quatro milhões de empresas privadas e algumas dezenas de milhões de pequenos negócios particulares, geralmente informais, devem lutar por migalhas. Segundo as estatísticas, essas 150 grandes empresas geram mais de 2/3 do PIB chinês e seus lucros correspondem à metade da riqueza nacional.
Apesar de muitas empresas estarem listadas na bolsa de valores, ou oficialmente privatizadas, o governo retém na realidade pelo menos a metade — até 2/3 — das ações e seus dirigentes são escolhidos pela Comissão de Supervisão e Administração do Patrimônio, após consulta ao Partido Comunista.
Não é de surpreender que 2/3 dos membros das diretorias e 3/4 dos executivos sejam dirigentes ou membros do Partido Comunista chinês, atualmente com 85 milhões de membros e uma lista de espera com 80 a 100 milhões de oportunistas. O atual primeiro-ministro Wen Jiabao gabou-se, ainda em 2008, de que “o Partido Comunista Chinês representa o povo e, portanto, a ditadura do proletariado é o melhor sistema do mundo”…
Como a China continua a funcionar na base de “planos quinquenais”, o esquálido setor privado é obrigado a agir no quadro estrito fixado por um partido ditatorial que considera o acesso ao desenvolvimento pela maioria da população como uma ameaça a seu poder.
Nenhum empresário pode desenvolver suas atividades sem se submeter inteiramente às ordens do partido único e sem corromper os funcionários do Estado e os quadros dirigentes do Partido. Além do mais, pelo sistema de leasing por 70 anos, nada na China pertence verdadeiramente aos particulares, nem a terra e nem sequer as casas.
5. A fuga de cérebros
O resultado desse clima é que os melhores empresários, aqueles que conseguiram sobreviver e enriquecer-se, estão investindo de modo maciço no exterior, para ali instalar suas famílias e conseguir um passaporte estrangeiro. Estados Unidos, Canadá e Austrália estão sendo seus destinos preferidos. Segundo um relatório conjunto do China Merchants Bank e da empresa norte-americana Bain & Co., de 20 mil chineses detentores de uma riqueza de pelo menos 15 milhões de dólares, 27% já emigraram e 47% estão pensando em fazê-lo. Somente no ano passado, 68 mil chineses conseguiram a invejada green card americana.
6. A “fratura geográfica”
A única solução para evitar essa contínua “fuga de cérebros” seria liberalizar o regime. Porém, isso provocaria outros problemas tanto ou mais graves, decorrentes dos abissais desequilíbrios regionais, sociais e étnicos existentes na imensa China. Com efeito, não só o antigo Império do Meio é vítima dos separatismos tibetano e uigur, como a própria identidade chinesa passa por uma grave crise, causada pela “fratura geográfica” existente entre as regiões costeiras desenvolvidas e o interior agrícola atrasado, ou ainda pelas lutas entre o poder central e os poderes locais, dominados por pequenos potentados.
7. A penúria energética e a poluição
Uma das questões que provocam fricções entre as regiões é o acesso aos recursos energéticos. Na China, não somente faltam a terra cultivável e a água, mas o próprio desenvolvimento tem acarretado uma dramática “penúria energética”. Segundo a Agência Internacional de Energia, em menos de uma década o consumo energético da China duplicou. Ela se tornou assim o maior consumidor do mundo, ultrapassando inclusive os Estados Unidos.
A China é o primeiro país produtor e consumidor de carvão (67% de sua energia é termoelétrica), desde que, em 1959, o Grande Salto multiplicou os pequenos fornos termoelétricos até nos vilarejos do interior. É o que explica o fato de o céu de quase todas as suas cidades — especialmente Pequim — serem cinza e não azul, e que 30% das chuvas ácidas que poluem o Japão venham da China…
Ademais, enquanto as minas de carvão situam-se no norte, 71% das indústrias consumidoras estão localizadas sobretudo no leste. É por isso que a metade do frete ferroviário é monopolizada pelo transporte de carvão. Por outro lado, os poços de petróleo e de gás encontram-se no noroeste, o que obriga à construção de longíssimos e enormes oleodutos e gasodutos.
Não é de estranhar que o número de acidentes do meio ambiente tenha aumentado exponencialmente nos últimos anos e que os rios da China sejam os mais poluídos do mundo.
Uma das soluções mais econômicas é a hidroeletricidade — de onde o interesse em controlar com mão de ferro o Tibet, do qual parte a maioria dos rios —, mas todas as barragens chinesas (incluída a gigantesca Três Gargantas) representam menos de 10% da produção atual.
8. O envelhecimento da população
Entretanto, o maior “calcanhar de Aquiles” da República Popular da China é o envelhecimento de sua população, fruto da irracional política do “filho único”, instituída pelo governo chinês em 1979. A taxa de fertilidade é estimada entre 1.5 e 1.8 crianças por mulher em idade reprodutiva, abaixo da taxa de 2.1, necessária para manter estável a população.
Eis as três consequências principais dessa política do “filho único”:
a) o desequilíbrio da proporção dos sexos no nascimento (principalmente devido ao aborto das meninas por nascer), que é atualmente de 120 meninos por cada 100 meninas, resultou na carência de 20 a 30 milhões de moças com as quais os rapazes pudessem se casar;
b) a transformação da pirâmide das idades, que colocará uma carga excessiva nos ombros da atual geração de jovens, os quais terão de arcar sozinhos com a manutenção de seus pais idosos. Em 2007, o número de chineses na idade de aposentar era de 144 milhões. Espera-se que em 2035 esse número será de 391 milhões (mais do dobro), enquanto o número de jovens vai diminuir. Essa diminuição já se nota nas escolas: em 1995 havia 25,3 milhões de novos alunos; em 2008, a cifra já tinha caído para 16,7 milhões; em 1990 havia na China mais de 750 mil escolas primárias; em 2008 elas tinham diminuído para perto de 300 mil, por causa da queda da natalidade;
c) o declínio da força laboral, que nos últimos dez anos já significou uma baixa de 14% do número de jovens trabalhadores de 20 a 29 anos de idade (a queda vai chegar a 20% nos próximos 20 anos). Dessa escassez de mão-de-obra resultará o aumento das exigências salariais dos novos trabalhadores.
9. A bolha imobiliária e a inflação
A essas gravíssimas fraquezas estruturais soma-se uma alarmante fraqueza conjuntural: a bolha imobiliária e o aumento da inflação.
Com efeito, a fim de manter um crescimento de dois dígitos apesar da crise financeira de 2008, o partido ordenava ao Banco Central facilitar o crédito e incitar os particulares a investir no setor imobiliário, de um lado, e de outro encorajava os potentados locais a desenvolver uma política de construção de infra-estruturas (grande parte delas inúteis).
Isso deu lugar à especulação no setor da construção e à formação de uma imensa bolha imobiliária: a participação do setor da construção no PIB subiu, nos últimos anos, para mais de 20%, fazendo com que os preços dos imóveis disparassem muito acima das possibilidades de aquisição de uma família da classe média (por isso há dezenas de milhões de apartamentos e casas desocupados). Para se ter um termo de comparação, no auge do boom do tijolo na Espanha e na Irlanda, a participação da construção no PIB foi, respectivamente, em torno de 11% e 9,4%; ou seja, a bolha da China é o dobro da espanhola e da irlandesa. O que acontecerá quando a bolha chinesa explodir? Basta considerar o que aconteceu na Espanha e na Irlanda…
Segundo os dados disponíveis, o endividamento interior é atualmente equivalente a 125% do PIB, estimando-se que a metade dessas dívidas são irrecuperáveis. Por isso, as agências de notação já começaram a rebaixar a nota dos bancos e das empresas públicas chinesas.
A inflação foi outro resultado dessa mesma abertura do crédito. Como as taxas de juros oferecidas pelos bancos para os depósitos são claramente inferiores ao aumento dos preços, os chineses são incitados a gastar o dinheiro rapidamente em bens que podem manter seu valor. Isso retro-alimenta a inflação. Nos últimos meses ela se situa acima de 6% ao ano, afetando, sobretudo, os setores que se referem à vida quotidiana: alimentação, alojamento, etc. As medidas de contenção têm alcançado resultados insignificantes e o controle dos preços de certos legumes apenas alimentou o mercado negro.
10. As novas exigências salariais
Em vista disso, e da diminuição da entrada de jovens no mercado de trabalho, os assalariados começaram a exigir das empresas aumentos significativos de seus salários. Não conseguindo absorver os gastos, as empresas são obrigadas a repercutir nos preços. Isso leva os assalariados a reclamar novo aumento, etc., conduzindo a uma “espiral preços-salários” que encarecerá os produtos chineses no mercado exterior. Ou seja, precisamente na contramão daquilo que tem sido a base do “milagre chinês”: a mão-de-obra barata e as exportações a baixo custo.
* * *
Tudo somado, o crescimento desequilibrado da China, por mais espetacular que tenha sido nas últimas décadas, pode não passar de um espelhismo passageiro.
Nesse caso, voltar-se-ia contra a China o apelativo que Mao Tsé-Tung atribuiu aos Estados Unidos: um “tigre de papel“.
China: grande responsável pela ruína financeira do Ocidente
Em seu curto período de glória, esse “tigre de papel” teria, entretanto, conseguido provocar a crise econômica em que hoje se debatem a Europa e os Estados Unidos.
O mecanismo foi revelado recentemente, nas páginas do jornal francês “Le Monde”, por Antoine Brunet, co-autor do livro La Visée hégémonique de la Chine (L’Harmattann, 2011).
Brunet explica que, mercê do controle draconiano das divisas, a China mantém o yuan a US$ 0,15 e a 0,11 euros, quando o mesmo deveria valer 0,25 dólares e 0,21 euros, segundo o FMI e a ONU. Ao admitirem a China na Organização Mundial do Comércio, os países ocidentais renunciaram às represálias aduaneiras, única arma que poderia ter forçado os dirigentes chineses a reajustar sua moeda.
Resultou daí uma imensa desindustrialização do Ocidente (as empresas transferiram suas fábricas para a China), acompanhada de uma intensa industrialização desta última, a qual se apoderou dos mercados. O comércio exterior ocidental passou a ser fortemente deficitário, diminuindo ao mesmo tempo o investimento interno, enquanto suas economias ficavam expostas a sofrer uma recessão prolongada de natureza estrutural, ocasionada pela manipulação do yuan.
Em vez de enfrentar a China, a solução encontrada por Alan Greenspan (ex-presidente do banco central americano) e por seus colegas europeus foi a de favorecer uma política de juros baixos, para desencorajar a poupança das famílias e incitá-las à compra a crédito de moradias e outros bens de consumo. Durante quatro anos, o PIB e o emprego nos países ocidentais foram puxados para cima por um setor imobiliário eufórico, o qual levou a excessos e a um terrível efeito boomerang: uma tríplice crise, imobiliária, bancária e bursátil, a recessão e uma explosão do desemprego. Um fiasco absoluto.
Em fins de 2008, ao invés de forçar a China a revalorizar o yuan — que, desde o início, teria sido a única solução verdadeira para relançar o comércio exterior, o PIB e o emprego nos países ocidentais —, os aprendizes de feiticeiro da economia ocidental optaram por uma política de estímulo orçamentário, junto à manutenção de baixas taxas de juro a curto e longo prazo.
Apesar dessa estratégia keynesiana, a retomada do crescimento foi modesta e de curto prazo; em todo caso, incapaz de absorver os gigantescos déficits provocados pelos planos de estímulo, fazendo assim explodir a dívida pública. A subsequente suspeita dos investidores quanto à capacidade dos países mais frágeis em honrar seus compromissos (Grécia, Portugal, Irlanda, etc.) causou a disparada dos juros exigidos pelo mercado para os respectivos títulos da dívida pública, levando esses países à beira da falência. Um novo fiasco absoluto que ameaça fazer explodir a zona do euro e a própria União Europeia.
Quem é o responsável? — A covardia do Ocidente diante da China. Porque: 1) foi o pacifismo monetário diante da manipulação da moeda chinesa que desestabilizou as economias ocidentais em todos os planos (comercial, econômico, social, tecnológico, etc.); 2) as políticas compensatórias foram um fracasso e só agravaram ainda mais a desestabilização; 3) a única solução estrutural teria sido obrigar a China a revalorizar o yuan mediante represálias aduaneiras coletivas.
Os Estados Unidos e a Europa terão a coragem de fazê-lo, sabendo que os conflitos comerciais são muitas vezes o prefácio de conflitos diplomáticos e até militares?
Isso levanta a delicada questão da escalada militarista da China.
A maior ameaça chinesa: seu crescente poderio militar
Favorecidos pelo reconhecimento diplomático de Pequim como único e legítimo representante de toda a China, com cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, os dirigentes comunistas chineses servem-se da tendência independentista de Taiwan como pretexto para uma escalada armamentista.
Realmente, com governo próprio e independência de fato sobre a ilha desde o fim da guerra civil chinesa em 1949, Taiwan é reconhecida como Estado independente por menos de vinte nações secundárias. E Pequim ameaça com o uso da força se Taiwan declarar formalmente a sua independência, oferecendo em troca a fórmula “uma nação, dois sistemas” que vigora em Hong-Kong.
A escalada armamentista, porém, vai muito além do necessário para meter medo, e eventualmente enfrentar Taiwan, levando analistas americanos e europeus a suspeitar que a China tem interesses geoestratégico e militares mais amplos.
1. Os interesses econômicos e ideológico-estratégicos preponderantes
Tais interesses são, ao mesmo tempo, ideológico-estratégicos e econômicos.
Do ponto de vista econômico, os escassos recursos naturais da China obrigam-na a assegurar a alimentação de uma população que aumenta cada dia seu padrão de consumo nas cidades costeiras. Ademais, o modelo de desenvolvimento chinês, baseado nas exportações, induz seus dirigentes a assegurar o acesso a fontes seguras das matérias primas necessárias para suas atividades de manufaturação. Daí, por exemplo, sua crescente aproximação com o Paquistão, com o qual está construindo uma parceria (11 mil soldados chineses estão estacionados na região de Gilgit-Balistan para ajudar o Paquistão a combater a rebelião autonomista dos habitantes) com vistas a construir um corredor viário e ferroviário que lhe dê acesso direto ao imenso porto de Gwadar, na boca do Golfo Pérsico, recentemente financiado e construído pela China.
Do ponto de vista ideológico-estratégico, a China procura consolidar uma coalizão internacional de países emergentes que, com o propósito de defender seus próprios interesses, no final das contas acabam embarcando volens nolens numa espécie de luta Sul x Norte, versão atualizada da velha luta de classes marxista.
Isso explica a aproximação da China com os regimes ditatoriais de Cuba e da Venezuela chavista, bem como com os seus parceiros populistas do Equador, Bolívia e, mais recentemente, Peru.
Além de exportações militares — a compra de 40 aviões K-8 (Karakorum) pela Venezuela e seis pela Bolívia, e o equipamento da força aérea chavista com um centro de controle e comando empregando radares JYL-1, também adquiridos pelo Equador —, o Exército de Libertação Popular da China utiliza as instituições de sua Universidade da Defesa Nacional (em Nanjing e Changping, perto de Pequim) para estreitar laços com oficiais dos exércitos latino-americanos, oferecendo a estes últimos cursos em espanhol e inglês. Com o mesmo objetivo, o ELP participa, desde 2004, na força internacional da ONU no Haiti e desenvolveu exercícios de assistência humanitária no Peru.
2. A doutrina hegemônica do Dragão Vermelho
Com vistas a atingir esses objetivos político-estratégicos e econômicos, os geoestrategistas do Exército de Libertação Popular falam de uma nova “fronteira de interesses” da República Popular da China, sugerindo que o exército chinês não deve proteger apenas seu vasto território, mas igualmente seus interesses econômicos muito além de suas fronteiras (por exemplo, as companhias petrolíferas e mineiras operando em regiões vulneráveis da floresta amazônica).
Daí a necessidade, segundo os estrategistas chineses, de preparar as forças armadas não apenas para uma ação defensiva, mas, sobretudo, como uma “força de dissuasão” capaz de uma “defesa ativa em profundidade” (ou seja, de uma intervenção distante). Em 2006, Wu Shengli, comandante-em-chefe da Marinha de Guerra chinesa, exigiu “uma marinha poderosa para proteger a pesca, a prospecção de matérias primas e as rotas estratégicas da energia”.
Em 2010, o diretor do Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Militar na Universidade Chinesa de Defesa Nacional, coronel Liu Mingfu, publicou um livro intitulado A Chinese Dream: Big-Power Thinking and Strategic Positioning in a Post-American Era [Um sonho chinês: Grande capacidade de pensar e posicionamento estratégico numa era pós-americana], no qual sustenta, parafraseando Clemenceau, que “o mundo é importante demais para ser deixado nas mãos dos Estados Unidos”. Por isso, diz o coronel, a “China deve salvar a si própria e ao mundo” e preparar-se para ser a “timoneira do mundo”, uma vez que “possui o gene cultural superior requerido para transformar-se em líder mundial”.
Interrogados pelo site do Global Times, jornal oficial do Partido Comunista, a respeito das conclusões do livro do coronel Mingfu, 80% dos internautas chineses responderam positivamente à pergunta: “Você pensa que a China deve procurar transformar-se no primeiro país do mundo e no poder militar dominante?”.
Essa nova tendência belicista ficou demonstrada em 2001, quando a aviação chinesa forçou um EP-3 – avião norte-americano de reconhecimento – a aterrissar na ilha de Hainan, desmembrando depois o aparelho e aprisionando seus tripulantes por longo tempo.
3. O poderio convencional e atômico do Exército Nacional de Libertação
A China já possui, de fato, o maior contingente de tropas do mundo, e ainda assim dobrou seu orçamento militar, numa corrida para dotar suas forças de armamentos sempre mais sofisticados, corrida esta não limitada às armas convencionais.
Na última década, o Estado comunista chinês aumentou o número e a quantidade das ogivas de seu arsenal atômico e dos mísseis capazes de atingir alvos distantes.
Um recente relatório do Pentágono reconheceu que o Exército Nacional de Libertação “está fechando rapidamente a distância tecnológica com as forças armadas modernas”. Por exemplo, Chen Hu, principal colunista militar da agência estatal Xinhua e editor da revista “World Military Affairs”, sustenta que os caças J-10 e J-11 já são superiores à última versão do F16 americano e que é esta a razão pela qual o governo Obama se recusou a fornecer a referida versão aos seus aliados chineses nacionalistas de Taiwan.
O mesmo relatório revela a existência, na China central, de instalações subterrâneas profundas, conectadas por três mil milhas de túneis, usadas para armazenar e esconder ogivas e mísseis, bem como para abrigar centros de comando resistentes a ataques nucleares.
No seu recente livro A Contest for Supremacy [Uma disputa pela supremacia], o Prof. Aaron L. Friedberg, da Universidade de Princeton, explica como a China representa uma séria ameaça para o futuro da paz: “A faixa de alcance, precisão e quantidade de mísseis cruzeiros e de mísseis balísticos de meio-alcance no arsenal da China dar-lhe-ão daqui a pouco a opção de atacar todas as bases americanas e aliadas na região [do Pacífico Ocidental] com ogivas que podem abrir crateras em pistas de pouso, esmagar abrigos para aviões e acabar com portos, plantas elétricas e redes de comunicação”, informa o autor.
Baseados na teoria dos “conflitos assimétricos” da guerrilha maoísta (segundo a qual uma ameaça mortal não provém necessariamente de um poder militar equivalente; por exemplo, o ataque às torres gêmeas…), o Exército de Libertação Popular tem empregado grande parte de seus recursos em domínios que lhe dão uma vantagem assimétrica, como a guerra eletrônica e a espionagem.
Outro fator de superioridade das tropas chinesas é seu fanatismo, resultado de um doutrinamento político contínuo feito pelos Comissários do Povo. Estes exploram o orgulho nacional apresentando a China como um país do Terceiro-Mundo, vítima do caráter predatório do imperialismo e do colonialismo ocidentais.
Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA no governo de George Bush, confessou candidamente, numa recente conferência no Canadá: “A única coisa que realmente me preocupa, a respeito da China, é que eu não entendo as relações entre a liderança política — os dirigentes do Partido Comunista — e o Exército de Libertação Popular. Eu não sei qual é a influência do ELP ou quem é que é realmente o responsável. É uma espécie de mistério para mim”.
Igual ingenuidade parece prevalecer entre os líderes ocidentais a respeito da notória aproximação entre Moscou e Pequim.
4. A convergência estratégica entre a China e a Rússia
De fato os interesses da China e da Rússia não são divergentes, mas convergentes, pelo menos a curto e médio prazo, apesar do que dizem a maioria dos líderes ocidentais baseados em alguns analistas otimistas.
Num estudo publicado em 2006 pelo Norsk Utenrikspolitisk Institutt, de Oslo, de autoria de Kyrre Brækhus e Indra Øverland, tal convergência é posta em realce sob o expressivo título: A Match made in Heaven? [Um casal de sonho?]. Para os autores, essa convergência geoestratégica resulta tanto de interesses materiais comuns quanto da consonância de valores e de ideologia.
Do ponto de vista material, a Rússia é o fiel da balança no jogo de poder entre o Japão e a China pela preeminência na Ásia. E isso porque as duas potências amarelas carecem de matérias primas, especialmente as energéticas, que devem ser trazidas de longe através de rotas estratégicas de alto risco, enquanto podem pegá-las de modo mais seguro e com custos de transporte mais baratos no território russo, que as possui com fartura.
É sintomático o caso do oleoduto para levar o petróleo da Sibéria ocidental para o Extremo Oriente, cujo traçado era asperamente disputado entre o Japão e a China.
Até 2004, parecia que o Japão estava levando a melhor e que o terminal oriental do oleoduto seria situado na baía de Nakhodka, na Sibéria, de onde seguiria depois para o Japão. Em vez disso, em 2005, o governo russo preferiu um traçado alternativo que levará o petróleo primeiramente até Skovorodino, nas proximidades da cidade chinesa de Daqing. Com um empréstimo de 25 bilhões de dólares para a sua construção, o oleoduto começou a operar em 1° de janeiro de 2011 e proverá a China com 300 mil barris-dia durante 20 anos, existindo já um plano para desenvolver um gasoduto paralelo.
A Rússia também pode prover as empresas chinesas com minérios estratégicos dos quais as empresas russas são os primeiros produtores mundiais, como alumínio, níquel, titânio e paládio. Tais empresas também estão entre os vanguardistas na produção de outros minérios, como platino (2° produtor), magnésio (3°), vanadio (4°), cobalto e ouro (5°), cobre (6°); sem contar suas reservas de carvão, sobrepujadas apenas pelas dos Estados Unidos.
A crescente competitividade da China não representa uma ameaça para a Rússia porque a indústria de manufaturados desta é muito pequena e, pelo contrário, seus consumidores podem aproveitar-se de produtos chineses baratos sem que tais importações desequilibrem sua largamente excedente balança comercial (decorrente da venda de petróleo). Aliás, ambas nações se reconheceram mutuamente como “economias de mercado” (sic!) e já tinham concluído, em outubro de 2004, negociações sob a égide da Organização Mundial do Comércio.
Outro domínio de convergência entre os dois países é o militar. A Rússia tem sido o principal provedor de armamento da China desde o fim da Guerra Fria (90% das compras de armas entre 1991 e 2004, segundo um relatório do Pentágono), incluindo submarinos, destróieres, caça-bombardeiros, mísseis e aviões estratégicos de reconhecimento. Igualmente, a Rússia tem fornecido assistência técnica ao programa espacial chinês.
Por estarem dotadas de grandes exércitos e grandes arsenais convencionais e atômicos, as chances de uma invadir a outra são muito baixas. De outro lado, ambas carecem de aliados de peso e por isso têm expandido a cooperação militar, principalmente no campo da inteligência militar.
Do ponto de vista ideológico, ambos regimes reprimem de modo inclemente suas minorias étnicas rebeldes, em particular as islâmicas (Chechênia, na Rússia, e Uigur, na China), e reprimem a oposição interna com idêntica desconsideração dos direitos humanos, apoiando-se mutuamente diante dos organismos internacionais e da opinião pública mundial.
As suas diplomacias convergem em muitos cenários de conflito, como o do fim das sanções ao Irã (o qual é parceiro da Rússia e da China), ou no Oriente Médio e na África. Sobretudo, têm interesses convergentes na rivalidade comum com os Estados Unidos, lembrando o velho ditado segundo o qual “dois inimigos de um terceiro são amigos entre si”.
Por todas essas razões, a convergência estratégica entre a Rússia e a China é uma tendência que ainda ganhará força em curto e médio prazo, e somente poderá passar por fricções de longo prazo no tocante à Sibéria, onde há uma clara pressão demográfica chinesa.
Prevalecerá por enquanto o dito por Dimitri Medvedev em 2008, durante uma visita a Pequim, de que o objetivo de sua viagem era confirmar “a convicção da Rússia de que a China é um aliado geopolítico sério no desafio ao Ocidente”.
Desafio ao Ocidente…
A declaração do presidente-títere Medvedev nos remete ao início deste artigo. Pelo fato de o Ocidente ter desenvolvido a mais alta expressão histórica da civilização cristã; por abrigar em seu seio Roma, a capital da Cristandade; por ainda guardar os mais admiráveis e valiosos tesouros do seu passado cristão; pelo fato de a fé ainda estar viva em países como a Polônia, a Irlanda e Malta, ou nas nações emergentes da América Latina; por tudo isso, as forças do mal trabalham para o seu declínio, em favor do Oriente pagão.
Isso deve nos levar, a nós católicos, a olhar com muita vigilância a escalada geopolítica da China, e a eventual constituição, em torno desta, de um grande bloco anti-ocidental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ave Cor Mariae!