1) Na constituição Lumen Gentium,que trata da noção própria de Igreja, aparece claramente uma definição errada da Igreja, porque afirma, no artigo 8, que a “Igreja do Cristo” subsiste na Igreja católica e que à “Igreja do Cristo” pertencem também “ elementos de santificação” e “verdades exteriores à Igreja Católica”. Durante dezenove séculos foi ensinado que a Igreja Católica é a única e verdadeira Igreja do Cristo, porque foi fundada por Ele e constitui Seu Corpo Místico, único depositário da Verdade Revelada, na continuidade do ensinamento dele recebido e transmitido por são Pedro e pelos apóstolos a seus sucessores e aos Padres da Igreja, mantido “de mão em mão” (Concilio de Trento ) até hoje. Quem disso se separou foi considerado – a justo titulo – como cismático (seitas e não Igrejas) e, mais, herético, se professou doutrinas contrárias ao depósito da fé (como os luteranos, anglicanos, etc...). As comunidades cristãs que se afastaram da Igreja não podem, enquanto tais, conceder a salvação a seus membros: tendo se separado da única e verdadeira Igreja, estão privadas da ajuda do Espírito Santo, sem a qual a salvação da alma não é possível. E todas as outras religiões o podem ainda menos. Não tendo sido fundadas pelo Filho de Deus (que além disso não querem reconhecer) não podem ensinar a Verdade que nos foi revelada sobre os divinos Mistérios e sobre os costumes.
Foi assim que a Santa Igreja sempre ensinou. Diz ela, por acaso, que aquele que não é católico está a priori condenado à pena eterna? Não, porque sempre ensinou que podemos nos salvar com o batismo de desejo: explícito, quando aquele que pede o batismo, ainda estando fora da Igreja, já vive se esforçando para fazer a vontade de Deus, mas morre antes de receber o batismo; implícito, quando, estando, sem falta própria, fora da verdadeira fé, o não católico vive no entanto procurando fazer em tudo a vontade de Deus, afim de não morrer em estado de pecado mortal: ele se salva em sua religião mas não por intermédio de sua religião. O Vaticano II contradiz essa doutrina quando insere na Igreja do Cristo, ao lado da Igreja católica, “elementos de santificação e de verdade” ou ainda de salvação, representados pelas outras denominações cristãs enquanto tais, com suas falsas doutrinas, já formalmente condenadas pelo Magistério. As seitas são assim impropriamente elevadas ao nível de “Igrejas”: isso está expressamente no artigo 3 do decreto conciliar Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo. Trata-se de erro teológico manifesto ao qual se acrescenta também um erro de lógica no artigo 4 seguinte, onde se diz que só a Igreja Católica mantém “toda a plenitude dos meios de salvação” (não mais portanto a unicidade) enquanto que as “Igrejas” dos protestantes e dos cismáticos , enquanto tais constituindo “meios de salvação” utilizados pelo Espírito Santo (!), mostram “carências”. Já que a salvação é evidentemente sempre a mesma (o céu), não se compreende segundo qual lógica os “meios de salvação” dos protestantes e dos cismáticos, afligidos por “carências” e pois deficientes, podem por si mesmos conceder a mesma salvação que aquela que é oferecida pelos meios de salvação da Igreja Católica, meios que não sofrem essas “carências”.
Os heréticos e os cismáticos fariam então parte da “Igreja do Cristo”: é por isso que não se lhes pede para retornarem à única e verdadeira Igreja , depois de terem abjurado seus erros. De fato, o decreto Unitatis Redintegratio não fala de “volta” mas de “conversão” com um sentido completamente anormal: "a unidade não deve se fazer pela volta dos separados à Igreja Católica, porém antes pela conversão de todas as Igrejas no Cristo total, o qual não subsiste em nenhuma delas mas é reintegrado mediante a convergência de todas em Um” . Uma falsa noção de “Igreja do Cristo” é pois a base do “dialogo ecumênico” com os ditos “irmãos separados”. A unidade à qual esse “dialogo” aspira é pois falsa, necessariamente aberrante, inclusive no plano lógico, já que devem fazer viver juntos a verdade e o erro: a imutável Verdade revelada confiada à Igreja com os delírios do livre exame individual, do “simul iustus et peccator” e outras coisas semelhantes; a necessidade das obras meritórias para a salvação com sua negação; o casamento “divinitus” indissolúvel com aquele muito solúvel dos protestantes e ortodoxos e etc...
2) A Lumen Gentium foi em seguida marcada por uma concepção errônea da colegialidade episcopal. Com efeito, a suprema potestas iuridictionis sobre a Igreja, que é outorgada pelo direito divino ao papa, foi atribuída (pelo artigo 22) também ao colégio dos bispos em união com o Papa, coisa nunca antes admitida. Temos, pois, dois titulares do poder supremo (um autentico absurdo jurídico) com a única diferença de que os bispos não a exercem sem a autorização do Papa. Em substância, essa fórmula de compromisso deixa as conferências episcopais praticamente livres para exercer as amplas autonomias e competências que lhes são reconhecidas ex novo pelo Concilio (decreto Christus Dominus, artigo 37), sobretudo em matéria litúrgica, para experimentar e adaptar os ritos às culturas locais (constituição Sacrosanctum Concilium, artigos 22,39, 40). O controle da Santa Sé sobre o comportamento dos bispos se reduziu, em substância, a constatar as iniciativas das Conferencias Episcopais, agora que a “potestas” da qual estão investidos colegialmente os bispos é “suprema” como a do Papa. As Conferências Episcopais assim pulverizaram a autoridade de cada bispo (a titulo individual). A autoridade do Papa e a autoridade do bispo sofreram uma diminuição impressionante dando vantagem à autoridade do coletivo dos bispos, que goza mesmo de poderes legislativos. A constituição hierárquica da Igreja foi subvertida pela instauração de uma oligarquia episcopal.
Alem disso, a Lumen Gentium trouxe uma outra modificação (artigo 9 e seg.) à noção de Igreja, concebida não como “corpo místico do Cristo” (São Paulo) mas como “povo de Deus”. Agora é a comunidade dos fiéis, presidida pelos padres, que vem a ser a Igreja, como se esta última devesse se constituir essencialmente a partir de baixo, nas assembléias que constituem a Igreja local, a soma das quais constitui a Igreja Universal. Assim a parte é tomada pelo todo – o “povo de Deus” pela totalidade da Igreja – com o fim de introduzir aí uma visão democrática, próxima ao modo de sentir dos protestantes heréticos, totalmente estranhos à Tradição, a qual, evidentemente, sempre se manteve firme sobre a origem e a natureza sobrenatural da Santa Igreja, manifestada e garantida por sua organização hierárquica.
3) Em contra partida, a constituição Gaudium et Spes que trata da relação da Igreja (a “Igreja do Cristo” ex. artigo 8 da Lumen Gentium) e o mundo contemporâneo, sofre manifestamente de um antropocentrismo difuso, totalmente incompatível com a sã doutrina. No artigo 3 está dito que o “objetivo da Igreja...é salvar o homem, edificar a humanidade... por conseqüência... o Concílio, proclamando a grandeza eminente da vocação do homem... oferece à humanidade a cooperação sincera da Igreja, em vista de instaurar essa fraternidade universal que corresponde a essa vocação”. Note-se bem: não se pensa em “salvar o homem” pecador por meio da conversão ao Cristo, único que lhe torna possível a vida eterna (Mc. 16, 15-16; Mt.28, 18-20). Não. , Essa Hierarquia pensa conseguir a “salvação” pelo engajamento na instauração da terrestre e mundana “fraternidade universal”, que não tem nada a ver com o fim sobrenatural próprio da Igreja. É a fraternidade das ideologias leigas apodrecidas pelo tempo, das quais a Gaudium et Spes não hesita em extrair outras sementes: “as vitórias da humanidade [e quais seriam elas?] são um sinal da grandeza de Deus e o fruto de seu inefável desígnio” (artigo 34); “o progresso terrestre... é de grande importância para o Reino de Deus” (artigo 39), etc. Essa exaltação do homem encontra acentos impressionantes no artigo 22: “O Cristo...desvela também plenamente o homem a si mesmo e lhe manifesta sua altíssima vocação”. Parece que Nosso Senhor não veio para salvar os pecadores que cressem Nele e se convertessem ("não vim chamar os justos, mas os pecadores” Mc. 2, 17) mas para fazer os homens tomarem consciência dessa grande coisa que ele, homem, é, para exaltar o homem! A altíssima vocação do homem resultaria de afirmações como as seguintes: “que o homem é a única criatura que Deus quis por ele mesmo” (art. 24 cit.) enquanto que “com a Encarnação o Filho de Deus se uniu de certa maneira a todo homem” (art.22 cit.) Por isso os homens “todos, resgatados por Cristo, gozam da mesma vocação e do destino divino” (art. 29). Difunde-se aqui os germes de uma doutrina que nunca fora antes ensinada pela Igreja (porque Deus fez todas as coisa para “Ele mesmo”, para sua glória e nada “para ela mesma”, nem mesmo o homem), e que essa doutrina terá, como é conhecido, seu desenvolvimento no pós-Concílio: que Nosso Senhor, com a Encarnação seria, em certo sentido, unido a todo homem, de modo a poder considerar – por esse único fato – que todos os homens já estariam resgatados, sem necessidade de sua conversão ou de seu retorno ao Catolicismo. E é com essa falsíssima premissa (uma verdadeira armadilha para seus partidários) que se instaurou o “dialogo” com as outras religiões, para poder constituir com elas também uma unidade planetária, sincretismo não menos monstruoso do que o que é procurado com os heréticos e os cismáticos.
4) O Concilio deveria, em seguida, ter repetido a doutrina de sempre sobre as duas fontes da Revelação (a Sagrada Escritura e a Tradição), sobre a inerrância absoluta da Escritura, sobre a plena e total historicidade dos Evangelhos. Mas na constituição Dei Verbum sobre a revelação divina, esses princípios fundamentais são antes expostos de modo ambíguo (nos artigos muito contestados 9, 11, 19), com expressões que, em um caso, (no artigo 11) se prestam a interpretações inteiramente opostas, da qual uma reduz a inerrância apenas à “verdade consignada na Escritura para nossa salvação”. O que equivale na pratica a uma heresia porque isso põe em dúvida o caráter absoluto da inerrância das Escrituras Santas.
5) O Concílio, em seguida, pôs em obra a reforma litúrgica, cujos tristes efeitos estão, há anos, sob as vistas de todos. A antiqüíssima e venerável liturgia católica da Santa Missa, coração do Catolicismo, desapareceu, substituída por um novo rito, em língua vulgar, que os Protestantes puderam declarar teologicamente aceitável! De fato, seu Institutio (1969 e 1970) não nomeia nem o dogma da Transubstanciação nem o caráter propiciatório do Sacrifício (graças ao qual nossos pecados nos são perdoados) que também constitui um dogma de fé (Denz. Schönm 938/1739-1741;950/1753). Ao contrario o acento é posto, à maneira protestante, não no Sacrifício do Senhor mas no banquete que é o seu memorial ou antes o memorial da Ressurreição (mistério pascal) mais do que da Cruz, oferecido para a assembléia dos fiéis sob a presidência do padre, assembléia que agora concelebra no mesmo plano que este último. Nessa missa, o Sobrenatural da verdadeira Missa católica, a repetição incruenta do Sacrifício da Santa Cruz por meio da transubstanciação do pão e do vinho em corpo e sangue do Senhor, desapareceu, sabendo-se que o Institutio se limita a mencionar uma “presença real” indiferenciada, não qualificada e não qualificadora, porque considera da mesma maneira a assembléia dos fiéis, a pessoa do ministro, a palavra do Cristo e as espécies eucarísticas.
Os últimos estudos puseram em relevo de modo categórico porque o novo rito não pode de maneira nenhuma se definir como católico. Com efeito, “foi afastado do Rito da Missa tudo o que poderia ter uma relação com a pena devida pelo pecado, como também a finalidade propiciatória da Missa”. Além disso, segundo a heterodoxa teologia “dita do mistério pascal”, considerando o rito memorial capaz, por si só, de tornar presente, fora do tempo humano, os mistérios da morte e da ressurreição do Cristo, a reforma litúrgica modificou profundamente a estrutura ritual da Missa até o ponto de eliminar sua dimensão precisamente sacrifical. Isso tornou-se possível também pela utilização de uma noção de símbolo muito particular, de aparência esotérica - a nosso ver – que lembra as tenebrosas tanto quanto falaciosas doutrinas de um René Guénon e Cia.
Já que a teologia do mistério pascal considera a Eucaristia não mais como um sacrifício visível mas como um símbolo que torna misteriosamente presentes a morte e a ressurreição do Senhor e que permite, através destes fatos, o contacto com o Cristo glorioso, a presença do Cristo Sacerdote e Vítima cedeu o passo, na ação litúrgica, àquela do Kyrios que se comunica à assembléia. E uma tal, imprópria, quase mágica noção de símbolo, contribuiu para a elaboração de uma nova noção de Sacramento, naturalmente diferente daquela que pertence ao deposito da fé. Pois bem, essa incrível missa do Novus Ordo já estava antecipada nos artigos 7, 10, 47, 48, 106 da constituição conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a reforma litúrgica, a qual, além disso, nos artigos 21, 24,37, 38, 40, 90, 119, considera também a simplificação do rito, para o tornar mais fácil, mais adaptado (!) à cultura profana, nacional e local; atualização a ser conseguida através da criatividade e experiências litúrgicas.Todas essas novidades vão expressamente contra todos os ensinamentos da Igreja. Isso provocou os diversos e múltiplos ritos hoje dominantes, do afro-católico (que se exibe com danças e tambores dentro da própria Basílica de São Pedro em Roma), ao índio-católico, às variantes nacionais e locais e aos ritos pessoais dos diferentes oficiantes de serviço. À ortodoxia e à majestade do Rito Romano Antigo cujo cânon remonta aos Apóstolos, sucedeu a Babilônia do novo rito submisso à aculturação, fruto de uma doutrina perversa.
6) O Vaticano II mostrou que aceitava o conceito leigo da liberdade como “libertas a coactione – liberdade de não ser coagido”, ontologicamente fundada na dignidade do homem enquanto homem, para justificar o caráter lícito de não importa qual culto religioso (declaração conciliar Dignitatis humanæ, artigos 2, 3, 4,). O Concilio justifica assim a liberdade entendida como autodeterminação absoluta do indivíduo, de um individuo que se considera realizado e auto-suficiente, enquanto que a Igreja sempre ensinou que a liberdade não pode se separar da Verdade (revelada) e que a dignidade da pessoa fica obscurecida se nela falta a retidão da vontade que procura o Bem, porque essa dignidade está fundada sobre valores sobrenaturais e não sobre o homem enquanto homem. E o Concílio, por conseqüência, introduziu a idéia da livre procura da verdade por parte da consciência individual, com suas próprias forças naturais, apenas e em união com os homens de boa vontade de todas as crenças e de toda fé (Gaudium et Spes, 16), o que é menos católico do que se possa imaginar. Essa colocação conduziu, por fim, à afirmação de uma substancial independência da “comunidade política” em relação à Igreja: uma e outra teriam em comum somente o fato de estar “a serviço” de uma geral “vocação pessoal e social entre os homens”, de modo a poder realizar uma “sã colaboração segundo as modalidades adaptadas às circunstancias de lugar e de tempo” (Gaudium et Spes, 76) ou ainda segundo os critérios de simples oportunidade. Mas isso se opõe ao ensinamento constante da Igreja, segundo o qual a Igreja tem um primado sobre a “comunidade política” e essa última, mesmo em sua independência relativa, deve contribuir para a salvação das almas por meio da realização e a defesa de um bem comum inspirado nos valores católicos. Deveríamos continuar e pararmos por exemplo nas análises irreais do mundo contemporâneo contidas em Gaudium et Spes, maquiadas com os piores lugares comuns, tirados das ideologias leigas correntes de então e de hoje ou na imagem adocicada e não verídica das religiões não cristãs, apresentadas no artigo 16 de Lumen Gentium e pela declaração conciliar Nostra Ætate. Mas o que dissemos até aqui nos parece suficiente.
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